A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
De tudo se apossa uma estranha sensação de fim. A nova avaliação
de Portugal pela troika ou o
pedido de resgate da Catalunha a Madrid não significam que se está a remediar
uma situação para que ela possa persistir nos antigos moldes. Como a
multinacional Unilever bem sabe (pois está a preparar-se para o
retorno da pobreza à Europa), estamos perante sintomas de que uma nova
configuração da realidade social emerge. Mas não é apenas ao nível económico
que esta sensação de fim de estação se manifesta. Também as alterações
climáticas e a intensificação de certas catástrofes naturais fazem
crescer essa sensação de fim.
O mito escatológico do fim do
mundo sempre seduziu a imaginação dos homens, mas essa sedução impede-os de
pensar o que está em jogo na expressão. Fim
do mundo não significa que o mundo vá acabar, mas que um certo mundo, com a
cosmovisão que lhe é inerente, vai terminar. O que acontece, em geral, é que há
uma forte inconsciência plasmada ou na crença imaginária de que o mundo, como
um todo, vai desaparecer, ou na crença de que a capacidade
científico-tecnológica tem um poder infinito para evitar aquilo que sempre foi
o normal percurso da história dos homens: o nascimento, a maturação e o fim de
uma civilização. E por mais que se saiba que as civilizações morrem, há em nós,
arreigada no fundo da nossa alma, a convicção de que a civilização moderna é
eterna.
Estas convicções impedem-nos de ver os sintomas e os sinais e de
interpretar essa sensação de fim que parece cair sobre todas as actividades
humanas. Por isso, as discussões políticas e sociais fundam-se em modelos que
são os do passado e têm como adquirido que a solução está nesses modelos. Uns
julgam que o socialismo ainda está no horizonte. Outros exibem com despudor a
necessidade de retorno a um liberalismo que conduziu a humanidade à primeira
Guerra Mundial.
Ninguém quer perceber, porém, que chegou o tempo de uma nova
frugalidade e uma nova forma de relação com a Terra. No Ocidente, a religião
parece ter perdido o sentido. No entanto, depressa iremos descobrir, se não o
estamos já a fazer, que palavras - que fazem parte da linguagem da religião -
como sacrifício, jejum e abstinência voltarão ao vocabulário quotidiano. Este
novo sentido representa já o fim do
mundo, fim daquilo que foi conhecido como sociedade do consumo ou
sociedade do espectáculo. Do ponto de vista do conflito político, não se trata já
de como distribuir a riqueza, mas pura e simplesmente como distribuir, com
mais ou menos justiça, a nova frugalidade, isto é, a pobreza.
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