Alexei Von Jawlensky - Soledad
O terrível da solidão não é o facto de se estar só. Terrível é confronto consigo mesmo, com os seus limites, ilusões e devaneios. Na solidão revela-se a natureza de cada um. É isso que a torna, para muitos, insuportável. Procuram o outro não pelo outro, mas apenas porque não se suportam. Aquele que, porém, suporta a solidão tem a possibilidade de encontrar o outro, pois já se tornou outro para si mesmo e aceita-se nessa estranheza e alteridade.
Acho que vou ser inconveniente e até me censuro com antecedência pelo que vou escrever pois receio ser mal interpretada. Mas, ainda assim, aqui vai.
ResponderEliminarGostei muito de ler o que escreveu. Soa bem. Faz sentido. Deixa-nos a pensar.
Mas pensar demais não faz mal? Não faz com que sintamos demasiado perto os nossos limites, a nossa finitude, a nossa imperfeição?
Para quê procurar uma alteridade que se estranha, que nos afasta da nossa pele, das nossas reacções imediatas, impulsivas, que nos afasta da alegria das coisas simples?
Ou - e isto é uma pergunta distinta (que lhe faço porque, sendo eu tão diferente, me questiono sobre isto): uma pessoa que pensa tão profundamente, que se desdobra e se analisa, e que decompõe os raciocínios e os decanta e que sabe tanto sobre o pensamento e as ideias, suas e de outros, consegue, apesar disso, apreciar coisas simples, ideias ingénuas, palavras à toa, risos descomprometidos? Ou tudo isso acaba por parecer vão, supérfluo, descabido?
E porque é que todo o pensamento profundo parece ir sempre no sentido de coisas como a solidão, a estranheza, a insuportabilidade, e nunca no sentido do sonho, da esperança, da alegria, da bênção?
Então, tentemos responder aos quesitos.
Eliminar1. Pele? Reacções imediatas e impulsivas? Alegria das coisas simples? Essa imediatez não existe, talvez nem no ventre materno. A pele é coisa demasiado complexa (por que rejeitamos umas e aceitamos e desejamos outras?). Essa simplicidade originária é um mito. Sob a sua capa há toda a complexidade da vida desde o seu início, há sempre demasiada informação.
2. O pensamento pode ser apenas um momento, um momento crítico e preparatório. Crítico, pois torna manifesto que a inocência originária, a ingenuidade, não é nem inocente nem ingénua, apenas fundadas no desconhecimento e por isso facilmente pervertíveis. Duvido que haja risos descomprometidos. Preparatório do que pode vir depois dele.
3. Se o pensamento se fechar sobre si mesmo, ele acabará por ficar preso nos seus limites, na sua autonomia, ele acabará na náusea, no absurdo, etc. Mas se ele for meramente preparatório poderá abrir o caminho para aquilo a que se poderá chamar a segunda inocência, a qual seria relação directa com as coisas - pele incluída - sem o desvio da ilusão originária. Esta relação seria a aceitação plena daquilo que é. O que aqui está em jogo já não é captar as coisas, mas vivê-las.
4. O problema para os homens não é que as coisas sejam simples. Na verdade, as coisas são simples em si mesmas, mas o homem tem que fazer o caminho e a aprendizagem para que elas se tornem simples para ele. E isso a ingenuidade e a inocência fundada no desconhecimento não o dão. O pensamento, também não.
Será que o 'inferno' do solitário 'é o outro' (ele) que o ajuda a viver a solidão?
EliminarBom fim de semana
Contrariamente ao Sartre que acha que o inferno são os outros (que nos frustram os desejos), acho que trazemos em nós mesmos o inferno. Um inferno portátil e de uso continuado. Abraço e bom fim-de-semana.
EliminarE não há os que trazem dentro de si o paraíso? Na sua opinião, apenas os tolos, já que nem as crianças?
ResponderEliminarAlguma coisa aí, no seu raciocínio, deve estar incompleta. Não concordo muito com essa análise que é de um pessimismo amargo que até dói.
Ou, em sua opinião, pode atingir-se um estado de felicidade no acto da descoberta através do pensamento, ainda que o processo possa decorrer dentro de uma insuportável solidão?
Penso que não há assim tanto pessimismo no que escrevi. Apenas disse que o inferno existe dentro de nós. Se o inferno existe em nós, também o paraíso pode lá estar. No entanto, a questão do paraíso - isto é, da felicidade - é tecnicamente mais difícil de alcançar. A análise kantiana é interessante. Ele diz-nos que a felicidade seria a realização de todas as nossas inclinações. Só que estas, ou algumas destas, são muitas vezes contraditórias e excluem-se mutuamente. Há outras soluções disponíveis, como protelar a felicidade para o além, ou vê-la como a realização de uma vida sensata segundo a justa medida. Haverá mais.
EliminarSeja como for, seja a felicidade um estado realizável nesta vida ou um bem a perseguir, ela, na minha perspectiva, supõe sempre a relação com o outro, com a alteridade, com a diferença. Mesmo que esse outro comece por ser o próprio tomado como o outro de si mesmo (há aqui referência a uma longa tradição que culmina em Fernando Pessoa e na proliferação de subjectividades, mas que em Platão já se encontra posta na ideia de que pensar é falar consigo mesmo, pensar é dialogar - não por acaso toda a sua obra é composta em forma de diálogo).
Ainda sobre o pessimismo e a amargura. Tenho uma visão pessimista do devir histórico da humanidade (uma clara influência do cristianismo), mas isso não tem qualquer reflexo em mim, no sentido de me tornar pessoalmente amargo. São planos diferentes.