Camille Pissarro - O bosque de Marly (1891)
O mundo natural luxuriante onde o homem evoluiu está a ser
transformado num ambiente largamente artificial (prosthetic). De forma crucial,
num espaço de tempo humanamente relevante, esta perda da biodiversidade é
irreversível. É verdade que a vida na terra recuperou a sua riqueza após a
última grande extinção; mas somente após terem passado dez milhões de anos. A
não ser que algo aconteça para quebrar a orientação actual, todas as futuras
gerações de seres humanos viverão num mundo biologicamente mais empobrecido do
que foi durante uma eternidade (for aeons). [John Gray (2004). Heresies Against Progress and Other
Illusions. London: Granta Books, pp. 33]
O que dá que pensar nesta citação de John Gray não é a constatação da
perda da biodiversidade. Tão pouco a ideia de um ambiente cada vez mais
artificial. Aliás, a ideia de Gray remete para um ambiente protésico, isto é,
pleno de próteses. O que dá que pensar é a expressão “A não ser que algo
aconteça…”(Unless something occurs…).
O que poderá acontecer para levar os homens a alterar a forma como colonizam o
planeta? Há aqui o reconhecimento dos limites do entendimento humano, a
confissão de que é necessário que algo de exterior ao homem surja, para que
este altere a orientação que imprime à sua própria vida, como aliás se viu pelo
magros ou nulos resultados da conferência de Copenhaga. Mas este “a não ser que
algo aconteça…” inscreve o céptico filósofo inglês numa tradição pouco
considerada filosoficamente, a do profetismo do Antigo Testamento. No “a não
ser que algo aconteça…” pensa-se já a catástrofe a vir, o castigo de um Deus
irado com os seus filhos. Quando a pura imanência se mostra impotente para
travar os desvarios humanos, o que lhes resta? O recurso à transcendência, ao
exógeno, ao totalmente outro. (averomundo,
2010/01/02)
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