domingo, 21 de setembro de 2014

A não ser que algo aconteça…

Camille Pissarro - O bosque de Marly (1891)

O mundo natural luxuriante onde o homem evoluiu está a ser transformado num ambiente largamente artificial (prosthetic). De forma crucial, num espaço de tempo humanamente relevante, esta perda da biodiversidade é irreversível. É verdade que a vida na terra recuperou a sua riqueza após a última grande extinção; mas somente após terem passado dez milhões de anos. A não ser que algo aconteça para quebrar a orientação actual, todas as futuras gerações de seres humanos viverão num mundo biologicamente mais empobrecido do que foi durante uma eternidade (for aeons). [John Gray (2004). Heresies Against Progress and Other Illusions. London: Granta Books, pp. 33]

O que dá que pensar nesta citação de John Gray não é a constatação da perda da biodiversidade. Tão pouco a ideia de um ambiente cada vez mais artificial. Aliás, a ideia de Gray remete para um ambiente protésico, isto é, pleno de próteses. O que dá que pensar é a expressão “A não ser que algo aconteça…”(Unless something occurs…). O que poderá acontecer para levar os homens a alterar a forma como colonizam o planeta? Há aqui o reconhecimento dos limites do entendimento humano, a confissão de que é necessário que algo de exterior ao homem surja, para que este altere a orientação que imprime à sua própria vida, como aliás se viu pelo magros ou nulos resultados da conferência de Copenhaga. Mas este “a não ser que algo aconteça…” inscreve o céptico filósofo inglês numa tradição pouco considerada filosoficamente, a do profetismo do Antigo Testamento. No “a não ser que algo aconteça…” pensa-se já a catástrofe a vir, o castigo de um Deus irado com os seus filhos. Quando a pura imanência se mostra impotente para travar os desvarios humanos, o que lhes resta? O recurso à transcendência, ao exógeno, ao totalmente outro. (averomundo, 2010/01/02)

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