Jorge Carreira Maia - Chemins qui ne mènent nulle part. Serra de Aire (2007)
Que as pessoas temam a
gravidade da morte e não partam.
Que haja barcos e
carros mas não com quê carregá-los.
Que haja armas e
couraças mas não razões para as exibir.
Lao
Tse, Tao Te King, LXXX
Este tempo de agitada precipitação que
nos coube. Partir, agir, lutar, entregar-se ao delírio da acção, mobilizar-se.
Que o movimento não pare. Os homens parecem ser o fruto tardio de um anjo
inquieto, de um deus tocado pela imperfeição. Herdaram essa falha e, na
fatalidade que lhes coube, o seu coração nunca coincide consigo mesmo,
incendiando a imaginação, orquestrando a razão, apurando os sentidos para
outras e outras incursões. Vorazes colonizadores, tomaram conta da Terra e
anseiam lançar colónias no espaço sideral, como se o seu lugar nunca fosse
aquele onde nasceram, mas o que os espera, quando a febre toca o coração e os
lança no caminho.
Se ao menos temessem a morte, se a
viagem lhes surgisse na fantasia como não tendo retorno, se a guerra não fosse
por si só razão para a fazer. Se tudo assim caminhasse, se a dispersão não
soasse aos ouvidos como o mais belo dos cantos, seria ainda possível retornar
ao velho jardim e perder-se entre árvores e rosas. Seria ainda possível esperar
o crepúsculo sentado e sorver cada instante que traz, escondido no seu coração,
o véu da noite. Que fazer, porém, se até a morte perdeu a sua gravidade e tudo
se tornou leve e fluido? Frívolos, os príncipes atearam o desejo do longínquo
no peito dos homens e estes partiram em campanha, como se vida não fosse mais
do que perder-se no desconhecido e atear a guerra nos lugares onde a paz se
demora.
Sábio é o homem que silencia em si o
desejo de partir e descobre, no espaço que lhe coube, todos os segredos que o
universo contém. Ali estão todos os rios do mundo, e os mares e as florestas.
Naquela pequena aldeia, ele encontra cada metrópole que o seu olhar não viu,
mas que o seu coração sabe perscrutar quando, trazida por um vento imemorial,
chega a madrugada. Um dia, cuja memória há muito se dissolveu, um príncipe
ainda jovem sentou-se no jardim do palácio. O seu coração tumultuava e um
desejo insensato parecia impeli-lo para conhecer outros homens, outras línguas,
outras terras, a beleza de outras mulheres. Se preciso fosse, segredava-lhe o
sangue, haveria de levar a guerra onde ninguém ainda tivesse escutado o seu nome.
O pai, vendo-o assim preso de tanta perturbação, olhou-o nos olhos e quedou-se ali emudecido. Olhava-o, enquanto o dia se desfazia, lentamente, da sua carga. Durante muitas horas o jovem príncipe não percebeu o que o pai estava ali a fazer. De súbito, porém, dentro da sua cabeça ecoou uma voz, uma voz que não era a do seu pai mas a voz dos pensamentos que habitavam aquele que lhe dera a vida. E ele ouviu: quando descobrires na tua mulher todas as mulheres, quando escutares no ruído do rio a voz de todos os oceanos, quando ouvires uma palavra na nossa língua e compreenderes todas as línguas, então serás rei e o trono que me pertence será teu.
O pai, vendo-o assim preso de tanta perturbação, olhou-o nos olhos e quedou-se ali emudecido. Olhava-o, enquanto o dia se desfazia, lentamente, da sua carga. Durante muitas horas o jovem príncipe não percebeu o que o pai estava ali a fazer. De súbito, porém, dentro da sua cabeça ecoou uma voz, uma voz que não era a do seu pai mas a voz dos pensamentos que habitavam aquele que lhe dera a vida. E ele ouviu: quando descobrires na tua mulher todas as mulheres, quando escutares no ruído do rio a voz de todos os oceanos, quando ouvires uma palavra na nossa língua e compreenderes todas as línguas, então serás rei e o trono que me pertence será teu.
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