Jorge Carreira Maia - Mitologias (uma casa portuguesa) (2014)
A pessoa que tiver intenção de
administrar uma casa [hoje, pode entender-se por casa qualquer organização] de
forma correcta tem de estar familiarizada com os lugares de que se
vai ocupar, ser dotada, por natureza, de boas qualidades e de possuir, por
vontade própria, sentido de trabalho e de justiça. Ora, se algum destes
elementos lhe faltar, irá cometer erros frequentes na empresa a que meteu mãos. [Aristóteles, Os Económicos, 1345b7 - 11]
Uma pequena lição de Aristóteles sobre a figura, para utilizar a
linguagem actual, do gestor. Nesta lição, pensa-se, porém, tudo o que é
essencial. Em primeiro lugar, a vocação, isto é, o ser dotado por natureza de
qualidades para o cargo que se desempenha. Vocação não significa aqui o mero
desejo de ordenar e dominar os outros, mas a posse inata, nascida com a pessoa
(por natureza), de qualidades que visam o bem da organização e a realização das
finalidades a que esta se propõe. Não basta, todavia, a vocação, as boas
qualidades naturais. São precisas mais duas coisas. Por um lado, o conhecimento
(estar familiarizada com os lugares de que se vai ocupar). Como é
peregrina a ideia de que um gestor gere bem qualquer coisa, desde uma empresa
de sapatos até um hospital ou uma escola. Para administrar uma organização é
preciso conhecê-la e aos fins a que ela se propõe. Mas qualidades naturais e
conhecimento ainda não são suficientes, é preciso uma vontade boa. Como se
manifesta esta vontade boa? Pela posse do sentido de trabalho e do sentido de
justiça. Veja-se que não basta trabalhar muito e bem. É preciso ser justo no
exercício do poder gestionário. A justiça implica o reconhecimento do
contributo de todos os membros e a distribuição de encargos e recompensas de
acordo com esse contributo. Se algum destes elementos faltar, então os erros na
condução da organização serão frequentes. Ora, serão os nossos gestores,
directores, administradores, públicos e privados, detentores de todas estas
qualidades? Que importância darão eles, na prática e não na sua mera opinião,
por exemplo, à justiça? A sociedade portuguesa está numa situação muito
difícil. Parte substancial dessa dificuldade não advirá do facto dos nossos
dirigentes não satisfazerem esta tabela de valores aristotélica? Não
precisará o país de começar por reformar a sua classe dirigente a todos os
níveis? (averomundo, 2010/01/27)
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