A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Uma estimativa da população portuguesa para 2060 (faltam cerca de 45
anos) prevê que sejamos, nessa altura, seis milhões. Isto é, os dados apontam
para que nos próximos 45 anos Portugal perca 40% da sua população, para além de
um acentuado aumento da população idosa. Uma das formas de mascarar o
verdadeiro cerne do problema reside na recorrente lamentação de que os
políticos não criam condições para as pessoas terem filhos. Apesar de haver
alguma verdade na afirmação, e de não existirem políticas eficazes de apoio às
famílias, o problema encontra-se noutro lado.
Pode-se parafrasear Kant e dizer que a natureza teria andado muito mal
se tivesse confiado à razão humana a propagação da espécie. Até há algumas
décadas, a propagação da vida humana estava fundada não na escolha e decisão
racional dos indivíduos, mas no desejo cego presente no impulso sexual. Desejo
esse que sempre se mostrou eficaz para assegurar a continuidade da espécie
humana. A descoberta da pílula permitiu a construção de dispositivos eficazes
de planeamento familiar. O que significa
isto? Significa que a propagação da espécie foi retirada do âmbito do desejo
sexual e colocada sob uma decisão aparentemente racional dos indivíduos.
Paulatinamente, as pessoas deixam de ter filhos porque optam por não tê-los. A
geração de novos seres passou a depender da razão calculadora dos progenitores,
que podem separar o prazer sexual da reprodução.
A introdução da razão no processo de procriação acabou por ter efeitos
– se medidos pelo interesse racional dos indivíduos – contraditórios. As
pessoas alegam não ter filhos por falta de condições para tal. Agem segundo o
seu interesse particular. Mas há consequências destas decisões. A diminuição da
população, devido ao planeamento racional dos nascimentos, acaba por ir contra
os interesses futuros dos indivíduos, pois deixa de haver quem lhes possa
assegurar uma velhice com um módico de dignidade. A introdução do planeamento
familiar veio resolver importantes problemas sociais. A verdade, porém, é que
criou outros, porventura bem mais graves.
O assunto é ainda mais crítico pois a razão que criou o problema
parece impotente para o resolver. Os portugueses vão desaparecendo não porque
um epidemia os leva, uma guerra de extermínio se abate sobre eles ou uma
catástrofe natural os dizima. Vão desaparecer porque – como outros povos
ocidentais – confiaram à razão aquilo – a propagação da vida – que sempre foi
da jurisdição do cego desejo sexual. Tudo tem um preço.
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