Ivonne Sánchez Barea - Islam (1999)
Motivada por uma decisão do governo norueguês – impede o financiamento
da construção de mesquitas na Noruega por parte de países onde não há liberdade
religiosa – acompanhei de longe, no facebook,
uma discussão feita a partir desta decisão. A discussão girava em torno da
tolerância ou não para com os muçulmanos, bem como se os cristãos devem ou não
agir tal como agem certos grupos de islamistas. Vale a pena pensar duas coisas.
Em primeiro lugar, a questão da tolerância e dos seus limites. A segunda é o
alcance do preceito cristão que, em face de uma agressão, ordena dar a outra
face.
No século XVII, devido aos conflitos religiosos, desenvolve-se o
pensamento acerca da tolerância entre pessoas de credos diferentes. John Locke
é um dos principias pensadores da tolerância. Segundo Locke, a tolerância
possui um núcleo central que a torna eficiente e, por outro lado, possui
limites. O núcleo central da tolerância é a separação entre o Estado e a Religião.
O Estado serve para proteger os bens civis e só ele pode usar a força quando
os bens civis de alguém são postos em causa. Não compete ao Estado tratar da
salvação das almas – isso é um problema da religião – mas assegurar que cada um
possa ter a vida religiosa que entender (isto é, defender a liberdade religiosa), desde
que isso não ponha em causa os bens civis dos outros. Contudo, Locke exclui da
tolerância religiosa os ateus (pois o seu juramento, devido a não serem
crentes, não tem valor) e os católicos (pois obedecem a um príncipe
estrangeiro, o Papa), bem como todos aqueles que querem, pela força, impor a
sua religião aos outros. Em resumo, a tolerância é fundamental, assenta na
separação entre o Estado e a Religião, mas tem limites. Há coisas que são
intoleráveis. Desta perspectiva de Locke, retenha-se não a intolerância para
com ateus e católicos, mas para com aqueles que pretendem usar a violência para
impor ou defender a sua religião.
Que fazer com o preceito cristão que ordena, em caso de agressão, dar
a outra face? Perante a perseguição dos cristãos no Médio-Oriente, não deveriam
os próprios cristãos ocidentais dar a outra face, por exemplo? Não deveriam
aceitar todas as exigências que os muçulmanos fazem nos países ocidentais,
incluindo aquelas que vão contra a lei civil? Não seria esse acto um verdadeiro
dar a outra face? O problema, porém, encontra resposta nos próprios textos
evangélicos. O dar a outra face é uma acção individual. Nenhuma comunidade se
pode construir na base deste dar a outra face, como salientou, salvo erro,
Hannah Arendt. A solução está no dai a
César o que é de César e a Deus, o que é de Deus. A própria separação entre
o Estado e a Religião está aqui enunciada. O cristão, individualmente, pode ou
deve dar a outra face, mas o poder político dos países ocidentais deve proteger
os bens civis, isto é, a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos.
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