Oscar Dominguez - Liberdade (1957)
A notícia de portugueses convertidos ao Islão e ao jihadismo começa a desvelar uma
realidade que por cá não se imaginava. Como é possível que alguém nascido e
educado nos valores da liberdade se converta a práticas que aniquilam a
liberdade dos outros? Esta pergunta surge agora com frequência, perante o feroz
fanatismo que se observa em várias partes do mundo. Poderá haver explicações
sociológicas e psicológicas para estas conversões e para este tipo de atitude.
No entanto, elas tenderão a perder o essencial. Aquilo que
dinamiza estas atitudes está presente na maioria dos homens. Trata-se da
incurável tentação de mudar os outros, de lhes impor uma conversão que, à falta
de uma iluminação na Estrada de Damasco,
será realizada pela violência física e pela coacção psicológica, desencadeando
o medo nas pessoas.
Nos sítios mais benignos do nosso mundo, há sempre gente que está
disponível para converter os outros aos seus valores e modos de vida. Espalhar
a sua boa nova em campanhas de educação, seja educar para o amor à literatura,
à música erudita, ao teatro, à religião, ao clube desportivo. Dir-se-á que
estas coisas não têm todas o mesmo valor. É verdade, mas fazer campanhas a
favor da música erudita ou de uma religião não deixa de ser uma forma de querer
condicionar o gosto do outro e, em última análise, a sua liberdade. O que
acontece é que nem todas estas coisas têm o condão de transformar a nossa melancólica
indignação, com o desprezo que os outros votam ao nosso gosto e aos nossos
prazeres, num exercício purificador de terror.
Não é grave lançar campanhas para criar públicos de leitores ou de
amantes de Beethoven. No fundo, todos somos tentados a achar que essas
campanhas têm como finalidade fornecer aos outros um bem espiritual superior. A
frustração desses desideratos conduzirá a uma certa indignação melancólica,
como dizia, que acabará por se conformar com a ordem das coisas e a indiferença
da generalidade dos intimados à conversão. No entanto, não deixa de ser uma
visão paternalista do mundo e dos outros. Mas quando esse espírito paternalista
e apostólico encontra um objectivo absoluto – seja a submissão a Deus ou a
construção de uma sociedade perfeita – essa indignação deixa de ser melancólica
e encena a ira divina, transformando-se em terror. O terrorista, em última
análise, não suporta que a sua visão do mundo não seja sustentada pela adesão
universal a ela. Sente isso, sem o assumir, como um desrespeito à sua pessoa,
um golpe no seu inconfessado narcisismo. Ele tem a boa nova, a visão que
salvará o mundo. Esta paranóia, plena de ressentimento, não suporta a velha
liberdade, aquela de cada um fazer, sem tutores, o que entende da sua vida,
desde que não prejudique a liberdade dos outros. Ora esta atracção fatal de
muitos jovens ocidentais pelo jihadismo
é apenas a intensificação paroxística do paternalismo que cada um de nós
alberga no fundo dos seus medos e da sua fragilidade, do seu incurável
narcisismo.
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