Juan Botas - School (1989)
O lamentável acontecimento ocorrido com finalistas do ensino
secundário português num hotel em Espanha (ver
aqui)
é apenas o sintoma de um problema que é continuamente ocultado pelos
responsáveis políticos da educação. E esse problema está, apesar da melhoria
dos resultados obtidos por Portugal nos estudos internacionais sobre a
educação, a afectar de forma sistemática o desempenho escolar dos alunos e, de
forma indirecta, as expectativas legítimas de desenvolvimento que Portugal
poderia ter. Esse problema está ligado à cultura escolar que muitos alunos,
muitos mais do que deveria ser admissível, ostentam.
Essa cultura escolar é caracterizada pelo desprezo do saber –
todas as áreas de estudo são consideradas uma grande seca – e, ao mesmo tempo,
pelo desdém pelo esforço e pela superação de obstáculos. Chamemos-lhe uma contra-cultura escolar. O resultado destas
atitudes é a indisciplina – geralmente, de baixa intensidade mas que boicota
sistematicamente as aulas – e aprendizagens, quando existem, muito deficientes.
A escola não é vista como lugar onde se aprende, mas onde se vai para conviver
com os amigos, arranjar uns namorados ou namoradas, suportar uns professores menos simpáticos e triturar aqueles que
não têm uma capacidade hiperbólica – repito, hiperbólica – para impor a
autoridade.
Dito de outra maneira, para tentar ser o mais claro
possível: o problema não está nos alunos que têm dificuldades em aprender. Está
numa massa informe e de grandes dimensões que não quer aprender, isto é, que
não quer adequar o seu comportamento às exigências que qualquer aprendizagem
exige, sejam aprendizagens feitas por métodos mais tradicionais ou mais
inovadores. Tentemos de novo ser claros: o problema principal não está nos
métodos usados pelos professores. Está na atitude e na cultura dos alunos ou,
melhor, na sua contra-cultura.
Os resultados são aprendizagens que não são feitas,
comportamentos como os de Espanha ou a pandemia das praxes académicas daqueles
que chegam ao ensino superior, onde o ídolo cultural da massa estudantil é Quim
Barreiros (só isto diz muito sobre o problema). A consequência é tornar as escolas
portuguesas num lugar estranho onde os professores querem ajudar milhares e
milhares de alunos que não querem ser ajudados, que desprezam a escola e tudo o
que ela implica. As escolas inventam e reinventam continuamente mil processos
para auxiliar alunos que, pura e simplesmente, esperam que os professores os aprovem sem que eles tenham que fazer mais do que existir.
Esta contra-cultura do aluno português não é partilhada,
felizmente, por todos. Há muitos alunos com uma atitude adequada e que se
esforçam para superar as dificuldades e alcançar objectivos exigentes. Sejamos,
porém e mais uma vez, claros: estes são uma minoria. Esta cultura adversa à
aprendizagem, esta contra-cultura, tem dois suportes que a alimentam e
protegem. Em primeiro lugar, as famílias. Muitas famílias ou não são capazes de
educar os seus filhos ou não sabem quem têm em casa e fazem dos professores o
bode expiatória dos insucessos dos rebentos. Em segundo lugar, o Ministério da
Educação. Este e todos os outros que o antecederam. O Ministério da Educação é
especialista em inventar reformas e contra-reformas, em tornar o trabalho de
escolas e professores insuportável e, fundamentalmente, em desviar a atenção do problema
central.
Para o Ministério da Educação – seja ele de que cor política
for – o problema nunca é dos alunos, nem da cultura que trazem de casa e da rua ou do
papel dos pais no sistema educativo. Para qualquer Ministério da Educação, os
alunos querem aprender, os pais são muito empenhados, só que os professores são
uns incompetentes e não ensinam. Logo, a única coisa a fazer é mais uma reforma
do ensino, que massacre os professores, traga uns jogos florais para as escolas e, se for
possível, dê mais poder aos pais dentro do sistema. Os responsáveis políticos
nunca perceberam uma coisa. Para haver uma reforma do ensino é necessário que
haja ensino, que os alunos estejam dispostos a aprender, que não tenham por
objectivo boicotar as aulas ou, pura e simplesmente, deixar passar o tempo até
que os professores, em desespero de causa, se sintam coagidos a passá-los. O
problema está onde os políticos não querem mexer, na contra-cultura escolar que
se instalou entre uma massa enorme de alunos portugueses.