A minha crónica no jornal A Barca.
Uma das consequências do fim do bloco de leste e da
consequente derrota política e ideológica do socialismo foi a perda de sentido
para as vitórias eleitorais da esquerda. Por perda de sentido refiro-me à ideia
de que essas vitórias seriam – como então se pensava à esquerda – um passo no
progresso para uma sociedade melhor e mais justa, uma verdadeira sociedade
socialista. Não é que a realidade confirmasse que qualquer vitória eleitoral da
esquerda tivesse o condão de deslocar a sociedade em direcção ao fim que ela
almejava. Não deslocava. Permitia, quando permitia, algumas reformas tendentes
a uma maior democratização no acesso a certos bens sociais. Contudo, o sentido
estava ali a dar uma coerência e uma finalidade à história vivida.
Hoje em dia, nada disso existe. Uma vitória eleitoral da
esquerda não é um passo em direcção a coisa nenhuma. Permitirá, eventualmente,
algumas reformas menos duras na sociedade, mas não traz consigo nenhuma ilusão
de um progresso em direcção a uma outra sociedade. As vitórias eleitorais da
esquerda são apenas um momento que dará lugar a futuras vitórias eleitorais da
direita. A ilusão de que nos estaríamos a aproximar de algo melhor e mais justo
acabou, e acabou porque pura e simplesmente não há lugar nenhum mais justo que
nos espere no futuro. Esse território da sociedade melhor que a actual – o que fazia
da política de esquerda uma política de contínua extra-territorialização, de
estar a caminho de outra coisa – nem como ilusão consistente existe hoje em dia.
Uma das consequências disso é a actual solução governativa
portuguesa. Foi o sentimento difuso existente no BE e no PCP de que não há
nenhuma sociedade socialista à nossa espera que os tem obrigado a apoiar ao
governo de António Costa. Esse sentimento, porém, precisa de ser transformado
em análise racional da realidade social e política que nos cabe. O desafio que
se coloca hoje à esquerda é apenas – pois não há outro – o de melhorar as
instituições económicas, sociais e políticas em que vivemos. Ora esta política
de melhoria não pode ser construída apenas pela reivindicação de devoluções e
de reposições de certos bem sociais perdidos. Esta é ainda uma política
reactiva. A esquerda, se quer continuar a influenciar os destinos do país,
precisa de ter políticas activas que melhorem o funcionamento da sociedade, que
limitem drasticamente a corrupção, que combatam a incúria e que fomentem uma
economia de mercado mais adequada, mais justa e com menos influência no Estado.
Dito de outra maneira, que ajudem a melhorar o capitalismo.
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