A vitória do Partido Socialista nas eleições autárquicas de
ontem é uma nova confirmação do acerto da estratégia de António Costa após as
eleições legislativas de 2015. Contrariamente à tradição do PS, o actual
primeiro-ministro estabeleceu uma coligação parlamentar com o BE e o PCP. Se o
não tivesse feito, muito provavelmente estaria hoje na situação em que se
encontra Passos Coelho ou numa ainda pior, talvez no caminho que levou o PASOK,
na Grécia, quase ao desaparecimento. Costa salvou o centro-esquerda em Portugal,
capturou para essa área as forças à sua esquerda, sem deixar de prosseguir uma
política europeísta e de respeito pelos duros compromissos a que Portugal está
submetido. A qualidade dos generais vê-se pelas vitórias no campo de batalha.
Outro resultado que confirma um acerto de estratégia é o do
CDS. Acerto, antes de tudo, de Paulo Portas. Ao tomar a decisão de se afastar
do partido, Portas mostrou que tinha compreendido muito rapidamente que o tempo
mudara, que a geringonça era
politicamente consistente e o que o devaneio de voltar ao governo no curto
prazo era apenas um devaneio. Ao afastar-se, ao deixar Passos Coelho a pregar
no deserto, e ao escolher Assunção Cristas salvou o CDS de uma longa travessia
no deserto. Ontem viu que o CDS tem uma líder consistente e consolidada. A
votação nacional é frágil, mas a conquista de seis câmaras e o resultado de
Lisboa são mais do que suficientes para confirmar o acerto da decisão de Portas
em se afastar e em deixar o partido a Assunção Cristas.
O Bloco de Esquerda merece, na verdade, um study case. Contrariamente, ao PS, PSD,
PCP e CDS, que são emanações de blocos sociais precisos e, por isso, possuem um
enraizamento forte na sociedade portuguesa, o BE – apesar, ou por causa, da sua
pré-história – é um partido que é, antes de mais, uma estrutura de certas
elites políticas, em tempos radicalizadas à esquerda, que, ao
desradicalizarem-se, procuram um lugar político no establishment e um espaço social onde se possam enraizar. Temos
assistido, assim, a uma lenta e dura, mas talentosa, criação desse espaço. Os
resultados autárquicos, onde o BE progride no número de mandatos para os três
órgãos em disputa, mostram isso mesmo. Mostram, todavia, que o BE tem um longo
caminho a percorrer para que possa ser tido como uma força autárquica digna de
nota e mostrar que tem enraizamento no tecido social.
O PCP, via CDU, é uma das derrotadas da noite, embora a
derrota da CDU deva ser matizada. Perde demasiadas câmaras, algumas emblemáticas,
tem resultados afrontosos em certos concelhos, mas é, claramente, o terceiro
partido mais votado, tendo perdido em relação a 2013 apenas 1,4% dos votos. Se
se olhar com atenção os resultados da CDU ressaltam duas coisas. Há, de facto,
um efeito António Costa que pode ter levado a que algumas câmaras CDU tivessem
passado para o PS. No entanto, a base eleitoral da CDU manteve-se praticamente
incólume. O efeito da coligação parlamentar, tanto quanto se pode inferir dos
resultados de ontem, não arrasta o eleitorado tradicional da CDU para o PS. Uma
coisa parece também resultar destas eleições. A bonomia de Jerónimo de Sousa
tornou-se um argumento em perda de peso. O PCP está a precisar de uma cara nova
e de renovar a imagem do partido.
O grande derrotado da noite é o PSD e Passos Coelho. Não
parece muito relevante dizer que a derrota deriva das escolhas dos candidatos,
por frágeis que sejam, que ele fez. É uma derrota do ressentimento de Passos
Coelho. Ao fim de dois anos, ainda não compreendeu por que razão não é
primeiro-ministro. E esta incompreensão é a raiz dos males do PSD. Na origem de
tudo isto está a avaliação que Passos Coelho faz do seu mandato. Ele recusa-se
a reconhecer que perdeu as condições para governar devido à forma como fez
política enquanto primeiro-ministro. E não se trata das medidas duras que
tomou. Trata-se da forma como as tomou, como as tornou mais insuportáveis com
os seus discursos alucinados, ideologicamente influenciados por pessoas cheias
de ideologia e nulo conhecimento da realidade do país. O resultado foi alienar
o centro para a esquerda, oferecendo inclusive um lugar nesse centro ao BE e ao
PCP. A Passos Coelho faltou o discernimento de Portas. Em vez de sair pela
porta grande – saía derrotado mas vitorioso –, deixou-se levar pelo
ressentimento e ofereceu ao país um penoso espectáculo nestes dois anos.
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