segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Uma leitura das eleições de ontem


A vitória do Partido Socialista nas eleições autárquicas de ontem é uma nova confirmação do acerto da estratégia de António Costa após as eleições legislativas de 2015. Contrariamente à tradição do PS, o actual primeiro-ministro estabeleceu uma coligação parlamentar com o BE e o PCP. Se o não tivesse feito, muito provavelmente estaria hoje na situação em que se encontra Passos Coelho ou numa ainda pior, talvez no caminho que levou o PASOK, na Grécia, quase ao desaparecimento. Costa salvou o centro-esquerda em Portugal, capturou para essa área as forças à sua esquerda, sem deixar de prosseguir uma política europeísta e de respeito pelos duros compromissos a que Portugal está submetido. A qualidade dos generais vê-se pelas vitórias no campo de batalha.

Outro resultado que confirma um acerto de estratégia é o do CDS. Acerto, antes de tudo, de Paulo Portas. Ao tomar a decisão de se afastar do partido, Portas mostrou que tinha compreendido muito rapidamente que o tempo mudara, que a geringonça era politicamente consistente e o que o devaneio de voltar ao governo no curto prazo era apenas um devaneio. Ao afastar-se, ao deixar Passos Coelho a pregar no deserto, e ao escolher Assunção Cristas salvou o CDS de uma longa travessia no deserto. Ontem viu que o CDS tem uma líder consistente e consolidada. A votação nacional é frágil, mas a conquista de seis câmaras e o resultado de Lisboa são mais do que suficientes para confirmar o acerto da decisão de Portas em se afastar e em deixar o partido a Assunção Cristas.

O Bloco de Esquerda merece, na verdade, um study case. Contrariamente, ao PS, PSD, PCP e CDS, que são emanações de blocos sociais precisos e, por isso, possuem um enraizamento forte na sociedade portuguesa, o BE – apesar, ou por causa, da sua pré-história – é um partido que é, antes de mais, uma estrutura de certas elites políticas, em tempos radicalizadas à esquerda, que, ao desradicalizarem-se, procuram um lugar político no establishment e um espaço social onde se possam enraizar. Temos assistido, assim, a uma lenta e dura, mas talentosa, criação desse espaço. Os resultados autárquicos, onde o BE progride no número de mandatos para os três órgãos em disputa, mostram isso mesmo. Mostram, todavia, que o BE tem um longo caminho a percorrer para que possa ser tido como uma força autárquica digna de nota e mostrar que tem enraizamento no tecido social.

O PCP, via CDU, é uma das derrotadas da noite, embora a derrota da CDU deva ser matizada. Perde demasiadas câmaras, algumas emblemáticas, tem resultados afrontosos em certos concelhos, mas é, claramente, o terceiro partido mais votado, tendo perdido em relação a 2013 apenas 1,4% dos votos. Se se olhar com atenção os resultados da CDU ressaltam duas coisas. Há, de facto, um efeito António Costa que pode ter levado a que algumas câmaras CDU tivessem passado para o PS. No entanto, a base eleitoral da CDU manteve-se praticamente incólume. O efeito da coligação parlamentar, tanto quanto se pode inferir dos resultados de ontem, não arrasta o eleitorado tradicional da CDU para o PS. Uma coisa parece também resultar destas eleições. A bonomia de Jerónimo de Sousa tornou-se um argumento em perda de peso. O PCP está a precisar de uma cara nova e de renovar a imagem do partido.

O grande derrotado da noite é o PSD e Passos Coelho. Não parece muito relevante dizer que a derrota deriva das escolhas dos candidatos, por frágeis que sejam, que ele fez. É uma derrota do ressentimento de Passos Coelho. Ao fim de dois anos, ainda não compreendeu por que razão não é primeiro-ministro. E esta incompreensão é a raiz dos males do PSD. Na origem de tudo isto está a avaliação que Passos Coelho faz do seu mandato. Ele recusa-se a reconhecer que perdeu as condições para governar devido à forma como fez política enquanto primeiro-ministro. E não se trata das medidas duras que tomou. Trata-se da forma como as tomou, como as tornou mais insuportáveis com os seus discursos alucinados, ideologicamente influenciados por pessoas cheias de ideologia e nulo conhecimento da realidade do país. O resultado foi alienar o centro para a esquerda, oferecendo inclusive um lugar nesse centro ao BE e ao PCP. A Passos Coelho faltou o discernimento de Portas. Em vez de sair pela porta grande – saía derrotado mas vitorioso –, deixou-se levar pelo ressentimento e ofereceu ao país um penoso espectáculo nestes dois anos.

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