domingo, 29 de outubro de 2017

A cegueira de Lenine

A. Gerasimov, Lenin on a tribune, 1930

Passou há dias o centenário da revolução bolchevique de Outubro de 1917. Muito do prestígio desse acontecimento está ligado à propaganda. Veja-se, por exemplo, este retrato de Lenine por Alexander Gerasimov, retrato feito treze anos depois da revolução e cerca de seis após a morte do retratado. Envolto na multidão e num mar de bandeiras vermelhas a ondular ao vento (um lugar comum da estética revolucionária), Lenine olha em frente, para o futuro. A expressão facial e até a posição do corpo dizem-nos que ele vai rasgar o caminho para esse futuro, do qual ele - através das suas ideias - será o senhor. Esta hübris, tão comum aos homens, tem sempre o reverso da medalha.

Visto do ano do centenário, por muito que os adeptos achem que não, aquilo que se vê é um Lenine cego. A cegueira que não o deixa ver que os seus ideais, apesar da vitória, não terão grande futuro, por muito que se agitem as bandeiras vermelhas. A cegueira de uma ilusão construída sobre a crença de que o motor da história, se é que a história tem um motor (uma terrível metáfora mecanicista devedora da revolução científica do XVII e aplicada, por analogia, à luta de classes), seria posto em movimento por aqueles que, pela sua natureza, são pura passividade. Ora, toda esta iconografia das massas em movimento, de que o trabalho de Gerasimov faz parte, não é mais do que a expressão de um desejo. O desejo de que elas fossem assim e não como eram e como são, sujeitos passivos à espera de protecção, que podem explodir em raiva e revolta se essa protecção não chega.

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