Paul Klee - Fire Wind (1922)
Há precisamente cinquenta anos, em 1967, umas terríveis
cheias devastaram a zona de Lisboa e causaram 700 mortos (ver aqui).
A ditadura do professor Salazar tentou esconder a realidade, a oposição ao mesmo
professor Salazar tentou tirar partido da catástrofe para minar o regime. Essa
é a natureza das coisas. Ora foi a maior catástrofe natural depois do terramoto
de 1755, mostrou a fragilidade da sociedade portuguesa, a incúria das instituições,
a impotência dos políticos. A questão que devemos colocar é a seguinte: para lá
da luta política, nós, portugueses, aprendemos alguma coisa com os
acontecimentos de 1967?
O ano de 2017 – um ano em que já se vive em democracia há mais
de quarenta anos – mostrou que não aprendemos nada. O governo não pode ocultar
a situação mas, porque está no poder, vai tentar minorar a responsabilidade desse
poder. A oposição, porque não está no poder, vai tentar tirar partido da
situação. Se fosse ao contrário, se governasse a direita ela faria o que faz
agora o governo e a esquerda faria o que faz agora a oposição. Essa é a
natureza das coisas.
O problema, porém, está noutro lado. A sociedade portuguesa,
apesar de terem passado cinquenta anos, apenas esqueceu a catástrofe de 1967 e
não aprendeu nada com ela. Bastou um Verão anómalo para tornar patente a velha
fragilidade da sociedade portuguesa, a incúria das instituições, a impotência
dos políticos. Destes três conceitos – fragilidade, incúria e impotência – o central
é a incúria. Ela perpassa por toda a nossa sociedade, do cidadão anónimo ao
poder político, passando pelas instituições, sejam elas quais forem.
A incúria nasce da falta de exigência que temos connosco e
estende-se à falta de exigência que, enquanto cidadãos, temos com as
instituições e o poder político. Para este olhamos segundo o modelo do futebol.
Se o poder está na mão dos nossos, tudo se perdoa; se está na dos outros,
exigimos que, sem remissão, pague por tudo, mesmo pelo que não tem
responsabilidade. Esta forma de encarar a política pelos cidadãos é parte
integrante da incúria.
Ao fim de cinquenta anos descobrimos que não aprendemos nada,
repito. E preparamo-nos para, mais uma vez, não aprender rigorosamente nada.
Sim, assistiremos a uma tremenda luta política em torno dos mortos – já estamos
a assistir a escaramuças e a intifadas levadas a cabo por pessoal menor – e a
grandes rituais de dor e consternação, de uns porque estão no poder, de outros
porque estão na oposição. Isso, porém, é a estratégia que todos – cidadãos,
governo e oposição – seguem para evitar olhar a realidade e enfrentá-la. Como
as cheias de 1967, também os incêndios de 2017 são um espelho de todos nós, da
nossa incúria enquanto cidadãos, enquanto profissionais, enquanto políticos. Olhamo-nos ao espelho e não gostamos do que vemos. Como não suportamos o desgosto, partiremos o espelho. Assim sempre muda alguma coisa, para que tudo fique na mesma.
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