Estou a ler o Against
Democracy, de Jason Brennan. É muito curiosa a forma como ele divide,
relativamente à política, os cidadãos das sociedades democráticas. Hobbits, hooligans
e vulcanos. Os hobbits têm um fraco ou nulo interesse pela política. São,
perante ela, sujeitos passivos. Os hooligans possuem um interesse vivo,
informam-se e sentem o dever de participar, embora a sua capacidade de entender
outros pontos de vista, mesmo se são apoiados por uma evidência esmagadora,
seja muito limitada ou nula. São os sujeitos políticos activos. Por fim, os vulcanos.
Interessam-se pela política, mas são racionais a pensá-la. Aqui a racionalidade
é entendida como a capacidade de não aceitar crenças desmentidas pelo factos. Se a
realidade desmente a teoria, o vulcano desfaz-se da teoria. É um sujeito
racional perante a política. Também é uma raridade.
Esta divisão tripartida dos cidadãos perante a política,
apesar da fosforescência das designações, onde se desenha um certo divertimento,
ecoa algo muito antigo. Na verdade, não estamos perante outra coisa senão a
visão platónica do ser humano, com a alma dividida em três partes. A
concupiscente, a irascível e a racional. Todos os seres humanos possuem as três
partes, o que os diferencia é a parte que é dominante. Combinando a teoria de
Platão com as designações de Brenann, teríamos os hobbits, em que o que domina
a alma é a concupiscência, o que explica a sua passividade. A parte irascível
domina nos hooligans, daí a sua propensão para a acção política acompanhada
pela incompreensão do outro lado. Por fim, os vulcanos não são mais do que os
filósofos platónicos, em que a parte dominante da alma é razão. E isso torná-los-ia
mais aptos para governar. Como se vê, de um momento para o outro, uma velha
teoria platónica, tida como uma curiosidade pelos leigos ou uma relíquia pelos praticantes
da filosofia, é reanimada e colocada no centro do debate intelectual. Mais uma
vez somos chamados a reflectir sobre o que acontece quando somos governados por
hooligans. O senhor Platão nunca passa de moda.
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