Apesar dos trágicos acontecimentos ligados aos incêndios e
de algumas patetices governamentais, a esquerda continua, nas sondagens, a ser
largamente maioritária. O problema começa agora que os acordos, que
estabeleceram a coligação parlamentar, estão praticamente cumpridos. O primeiro
problema é o próprio tipo de solução política existente. O facto do governo não
ser de coligação, com um acordo político sólido e com a responsabilidade
partilhada por toda a esquerda, conduz a que todos comecem a calcular o que
pode ser mais benéfico para si próprios. Um governo de coligação distribuiria
mais justamente pelos três partidos os méritos e os deméritos da governação,
sem que tivéssemos de assistir ao espectáculo impúdico que, por vezes, nos é
oferecido do regatear de méritos na praça pública.
O segundo problema é que a partir de agora a idiossincrasia
de cada partido vais ser mais forte do que a necessidade de sustentar uma
solução política consistente. O PS está a retornar ao que é há muito. O caso
das rendas da EDP é um sinal importante de que assim é. Como foi sublinhado por
Miguel Sousa Tavares, o silêncio do governo – mas também da oposição de direita
– perante o discurso de Mariana Mortágua, na aprovação do Orçamento, foi
revelador de que o PS não deixou de ser o que era. Juntamente com o PSD e o
CDS, um sustentáculo dos interesses instalados que devoram a fazenda pública e
a privada. Parte dos socialistas parece ansiosa em libertar-se do apoio da
esquerda para voltar às suas velhas políticas, que conduziram o país onde se
sabe.
Também o BE e o PCP estão pouco dispostos a trocar, no
futuro, o conforto ideológico de partidos de contestação por um papel de
partidos de governo dentro do actual quadro de compromissos do país na esfera
europeia e do euro. O que o país precisa das esquerdas é de um programa sério
de reforma do Estado, construindo uma transparência que não existe, um projecto
de diminuição do papel dos governos na instrumentalização das instituições
públicas, um desígnio de modernização da economia e um plano sólido da
preparação dos cidadãos para enfrentar os desafios da economia globalizada.
Tudo isto dentro de um quadro de reforço da liberdade de iniciativa privada e
de igualdade de oportunidades. O que o eleitorado de esquerda vai ter à sua
disposição, a continuarmos no actual caminho, será bem diferente. Um PS
amancebado, mais uma vez, com os grandes interesses, o BE preso em causas
fracturantes e o PCP limitado à reivindicação social. O país e o eleitorado de
esquerda mereciam outra coisa.
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