terça-feira, 28 de novembro de 2017

As coisas modernas

Pierre Dubreuil - Lyres Modernes, 1930

Num primeiro impulso, podemos ser levados a pensar que a passagem do tempo, quase 90 anos, tornou o título, Liras Modernas, anacrónico. Olhamos e o que vemos são velhos discos de 78 rpm. De 1930 para cá, tornaram-se obsoletos. A partir de 1948 começaram a ser substituídos pelos LP de vinilo. Estes foram-no pelo CD, embora sejam, nos nossos dias, objecto de culto que lhes dá nova vida. O CD cedeu perante ficheiros armazenados, primeiro, num dispositivo pessoal e, agora, numa nuvem impessoal. Apesar de toda esta história, o título nada tem de anacrónico e continua pleno de sentido. Faz parte das coisas modernas, como os velhos discos de 78 rpm, tornarem-se rapidamente obsoletas. A obsolescência não é uma mera consequência extrínseca ao objecto devido à passagem do tempo e à inovação técnica. A obsolescência é parte integrante da natureza do objecto moderno. Este não é fabricado para a eternidade mas para o momento. No projecto da sua produção está o desejo da sua morte. No entanto, onde se surpreende a modernidade do título é na metáfora que designa os discos como liras. Uma lira real exige uma dura e esforçada aprendizagem para ser tocada e distribuir prazer pelo ouvinte. Um disco não exige mais esforço que o da compra. O objecto moderno é aquele que democratiza o prazer sem democratizar o esforço que conduz ao prazer.  O objecto moderno, ao dar a ilusão de uma democracia do consumo, cria, na verdade, aristocracias quase impermeáveis, da produção e da performance.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.