sábado, 8 de junho de 2019

Agustina, a crise na direita, a doença da social-democracia e a teia


AGUSTINA BESSA-LUÍS. O século XX português teve uma mão cheia de excelentes romancistas. A atribuição do Nobel a Saramago reconheceu isso. Se tivesse sido a Agustina, não teria ficado mal entregue. A sua obra é a mais desafiante de todas as obras romanescas portuguesas do século passado. A iluminação da natureza humana, a exploração das suas motivações mais recônditas, a capacidade de ver o real, tornam-na uma leitura obrigatória. Morreu na segunda-feira, ao 96 anos. Fará parte do cânone da literatura portuguesa. É preciso, porém, que os leitores continuem a ler os seus livros.

A CRISE NA DIREITA. O Presidente da República, saudoso do papel de comentador, decidiu perorar sobre uma eventual crise na direita. Rui Rio respondeu dizendo que se há crise, ela é do regime e não da direita. Centeno afiançou-nos que o regime está de saúde. É verdade que o regime tem tido capacidade para encontrar soluções políticas diferenciadas e sobreviver. Claro que o PSD e o CDS parecem viver uma crise, mas isso apenas se deve ao facto de estarem afastados do poder. Os partidos de vocação governativa sempre que estão na oposição parecem moribundos, mas se conseguem chegar ao poder, revigoram-se e tornam-se atletas de alta competição.

A DOENÇA DA SOCIAL-DEMOCRACIA EUROPEIA. Verdadeira crise é aquela que se abateu sobre a social-democracia europeia. Com exclusão dos socialistas portugueses e espanhóis, a tradição política social-democrata europeia está em estado comatoso. O desaparecimento do PS francês e as votações humilhantes dos trabalhistas ingleses e do SPD alemão, nas europeias, dão-nos um quadro clínico de prognóstico muito reservado. É possível que estas velhas instituições políticas, nascidas dos efeitos sociais da Revolução Industrial, comecem a não encontrar lugar no novo universo político gerado pela globalização e a revolução digital.

O PROBLEMA DA TEIA. O novo processo judicial que envolve autarcas socialistas do norte do país é, esse sim, uma péssima notícia para o regime. Independentemente da existência ou não de culpa por parte dos arguidos, este tipo de processos reforça a voz popular que tende a generalizar, de forma injusta, a ideia de que todos os políticos são corruptos. Aquele lugar-comum que os partidos propagam, quando são atingidos por casos de polícia, de que as questões de justiça são tratadas pela justiça, é um expediente inútil para não assumir que casos de justiça que envolvem políticos são também, aos olhos dos cidadãos, casos políticos. Não vale a pena tapar o sol com a peneira.

[A minha crónica no Jornal Torrejano]

1 comentário:

  1. Agustina viveu em Portugal toda a sua longa vida,escreveu livros,ensaios,conferências,etc.,etc.,uma obra extensa e vsriada. Nunca nessa obra encontrei referência à ditadura de Salazar-Caetano,às prisões arbitrárias, ao Tribunal Plenário, .à Guerra Colonial de 13 anos com dezenas de milhar de mortos,à fome generalizada,ao analfabetismo,à emigração desenfreada,etc.,etc..
    A grande escritora estava atenta a quê?

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