sexta-feira, 28 de junho de 2019

Descrições fenomenológicas 42. Um homem passa

Albert Rafols Casamada, Civitas Aurea, 1990

Um homem avança pela rua molhada. Na cabeça, um chapéu de feltro, como aqueles que se usavam nos anos trinta do século passado, e uma gabardina, comprida e de cor indefinida, descai-lhe dos ombros. Não são inseguros os passos. Pisa a pedra do passeio com firmeza, quase com o ritmo militar. A chuva, que parou há pouco, continua suspensa de um céu enegrecido. Ao longe, um aqueduto, envolto em neblina, faz lembrar uma ruína fantasma, daquelas que habitam as telas de certos pintores românticos. As varandas dos prédios estão desertas. Uma tabuleta anuncia andares para arrendar, mas o homem não parece interessado. O seu olhar, sem denotar ânsia, está preso à rua. Um carro passa lentamente, cruza-se com ele e segue o seu caminho, desaparecendo numa curva. Outro carro, de um modelo já em desuso, está parado em cima do passeio do lado de lá da rua. Logo a seguir, um cartaz, encostado a um pilar de um prédio, avisa para não estacionar de quarta-feira a sábado. O homem continua o caminho, a gabardina aberta, enfunada pelo vento, faz lembrar uma grande asa. A todo o momento se espera que o homem levante voo, mas parece bem agarrado à terra. Os braços vão e vêm, sincronizados com as pernas. Um autocarro aproxima-se, abranda a marcha e pára. O homem dá uma corrida, a porta abre-se e ele entra. Tira o chapéu e senta-se. O autocarro retoma o caminho. A chuva, fria e batida pelo vento, recomeça. Na rua, não se vê ninguém. Pacientes, as varandas esperam os seus futuros habitantes.

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