Carlos de Paz, Con pensamientos abollados I, 2001 |
Um matagal de ervas e arbusto baixos. Corta-o um carreiro de terra
batida, calcada pela passagem contínua de seres humanos. Ao longe, suspeita-se
um pântano, sobrevoado por patos. Ouvem-se tiros de caçadeira. Uma ave cai e o ladrido
dos cães ressoa no espaço aberto. Alguns pinheiros esgalgados cortam a rasura
da paisagem. Erguem-se aos céus com os seus troncos finos, dos quais brotam
ramos que acabam por se cobrir de agulhas. O vento agita-os, fazendo vacilar o
verde com que se disfarçam, e que assim toma diferentes tonalidades à luz baça
da manhã. De um deles sai um corvo. Sobrevoa o território e torna a pousar no ramo
de onde partiu. Um céu cinzento, mistura imprecisa de nuvens mais e menos
densas, desenha um jogo de claros-escuros, de onde desliza a luz. No estreito
caminho, uma freira move-se, mergulhada na solidão. Um passo firme, cadenciado,
faz-lhe tremer o hábito, que esconde o corpo. Por vezes, quebrada a cadência, o
impulso da caminhada faz-lhe saltar no peito o crucifixo pendente dum fio
prateado. Da mão direita, cai um terço que, com o caminhar e o desfiar das
contas, tremula inquieto. De hábito negro, ela inclina-se para a frente,
enquanto anda, como se quisesse antecipar a chegada. Os lábios movem-se em
surdina, segundo um ritmo a que o tempo tirou novidade, cobrindo-o com a
precisão do hábito. Uma vez por outra, pára, olha o horizonte e com um lenço
branco seca o rosto afogueado. Ao retomar o caminho, apressa-se, mas logo
retoma à cadência monótona que a há-de levar ao mosteiro que, ainda oculto, a
espera.
Uma descrição muito interessante.
ResponderEliminarUma abraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço