segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Um exercício de reinvenção


O Jornal Torrejano (JT), nesta segunda encarnação, a de Setembro de 1994, talvez fosse uma iniciativa já anacrónica. Isso, porém, ninguém o imaginaria. Nasceu numa época em que muitos ainda acreditavam na existência de uma esfera pública burguesa, isto é, civil e interessada nos problemas da comunidade, onde se teciam e terçavam argumentos sobre o bem comum. O JT vinha para alargar a esfera pública concelhia, retirá-la da modorra em que vivia há largas décadas. Quis pluralizar a opinião política local e centrá-la no debate do que fosse relevante. No fundo, era um projecto de jornalismo político ao nível concelhio, e isso fazia a diferença relativamente à situação. Nasceu também num tempo em que os jornais eram de papel, coisas materiais e sólidas. As pessoas compravam-nos, sentavam-se numa esplanada e liam-nos, enquanto tomavam café.

Seja no tempo longo da História, seja no tempo curto de uma vida, a verdade é que em 25 anos as coisas mudaram muito. A esfera pública burguesa explodiu. Foi dinamitada pela internet e pelas redes sociais. Com a explosão confundiram-se o público e o privado, a própria intimidade, último reduto do privado, tornou-se pública. O debate político foi substituído por campanhas de hooligans em que as partes se bombardeiam com mentiras e frases ocas. Não se trata de pensar e debater, trata-se de sentir e aniquilar simbolicamente, por enquanto, os oponentes. Por fim, a solidez dos jornais dada pelo papel está a evolar-se com a sua desmaterialização no ciberespaço. O JT foi-se adaptando e tentando andar sobre as águas, evitando o pior que os tempos trouxeram. Ter sobrevivido não foi pequeno feito.

Podemos sempre fazer um exercício de projecção. O que poderá ser o JT daqui a 25 anos, caso ainda exista? Duas coisas parecem claras, talvez as únicas. Será completamente desmaterializado. Será lido em dispositivos electrónicos como já sucede em muitos casos agora. Também a velha esfera pública burguesa, com os seus rituais de racionalidade, que animou o projecto em 1994, não voltará. Todo o resto é uma incógnita. O facto de ser uma incógnita é uma vantagem, pois obrigará o JT a repensar-se, a recriar-se, a tirar partido da contínua transformação tecnológica. Obrigá-lo-á a olhar para a sociedade e encontrar os destinatários que, através dele, renovarão o vínculo que os ligará a um destino comum. O melhor presente que o JT pode ter neste aniversário é o espaço fechado do futuro. Esse será o campo que terá de desbravar, o que lhe exigirá um repensar-se e um redesenhar-se constantes.

[A minha crónica na Revista dos 25 anos do Jornal Torrejano]

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