O maior prazer daqueles que frequentam a literatura será o
da deambulação, visitar lugares desconhecidos e confrontar-se com mundos
inesperados, andar por aí sem ir a lado nenhum. Se quisermos uma prova sobre a
existência de uma pluralidade de mundos, basta uma palavra: literatura. Cada
romance traz com ele um mundo, diríamos um mundo potencial onde seria plausível
imaginar pessoas de carne e osso a viver, carregadas com as suas expectativas,
vitórias e o drama das derrotas. A poesia é ainda mais radical, pois cada
poema, pequeno que seja, traz em si um universo. O que esses mundos da
literatura possuem de especial é que a sua criação é feita a duas mãos. O escritor
e o leitor que conclui no seu espírito a obra produzida pelo autor. Não há
apenas um romance Os Maias ou um A Montanha Mágica. Há tantos quantos os
leitores que, ao interpretarem os textos, os fazem viver sempre de forma
singular.
Há quem diga que apenas lê os clássicos. A justificação que
apresenta é pertinente. Como aquilo que há para ler é tanto e a esperança de
vida tão curta, o mais ajuizado é dar atenção apenas ao que a tradição
canonizou. No entanto, esta perspectiva impede-nos o prazer da descoberta,
evita a experiência do erro, põe de lado toda uma riqueza literária que o tempo
apagou. Se seguisse esse sábio conselho nunca teria descoberto Joaquim Paço de
Arcos, nem estaria a ler Carlos Malheiro Dias. Este era visto, após a morte de
Eça de Queiroz como o grande romancista português. O tempo não esteve de
acordo, mas é um escritor que vale a pena ler. Tem um poder descritivo de
grande alcance e precisão e não deixa de ecoar nos universos literários que
constrói um ethos que desconhecemos.
Como dizia a princípio, o grande prazer é o da deambulação.
E é isso que faço neste momento, indo entre Malheiros Dias, Filho das Ervas, e Anatole France, A Revolta dos Anjos, atravessando pelo
meio os poetas Daniel Jonas, Canícula,
Amândio Reis, Spinalonga, e Manuel
Rodrigues, Anastática (em homenagem a
Alberto Pimenta), sem esquecer os dois livros da Ivone Mendes da Silva, Dano e Virtude e A Mulher do Meio. O interesse desta errância é o da pluralidade
das experiências que, enquanto leitor, sou submetido. Se apenas lesse aquilo que
consta do cânone literário, talvez nem o Anatole France estivesse a ler. Não
teria, contudo, o prazer de me perder por caminhos que se bifurcam, se opõem,
se anulam e apagam, que, para dizer tudo, não vão a lado nenhum. E que prazer
maior pode haver, num mundo onde toda a gente quer ir a algum lado, do que não
ir a lado nenhum?
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
Esses dois livros da Ivone (li o último há dois meses) são belíssimos caminhos.
ResponderEliminarSão mesmo.
Eliminar