sábado, 3 de outubro de 2020

Uma doença

Adriano de Sousa Lopes, Mar e Céu, 1923

Tenho uma predisposição inultrapassável tanto para os desprezados pela história como para os vencidos da vida. Não se trata de uma declaração de amor à humanidade, mas de uma certa propensão que há em mim em comprar livros de autores que ninguém lê ou sabe quem são. Há pouco comprei um romance publicado em 1969, O Homem que Viveu a Noite, de Elvira da Costa Nunes. Não faço ideia de quem seja. Não foi o título nem tão pouco a idade da obra que me atraiu, mas o facto de não ter encontrado qualquer informação relevante sobre a autora, de ela ter passado pela literatura portuguesa sem deixar rasto. Outras vezes interesso-me por filósofos que, mesmo conhecidos, o tempo derrotou. Por exemplo, Joseph de Maistre o pensador inimigo da Revolução Francesa. Alturas há que me ponho a ler obras científicas, nas áreas das humanidades, completamente ultrapassadas. Em tudo isto deve haver um espírito patológico que me inclina para a derrota e para os derrotados, para aqueles a quem o tempo trucidou. O pior é que não se trata de uma inclinação caridosa com os deserdados da história nem o estabelecimento de uma solidariedade com os excluídos dos cânones que sustentam a pequena imortalidade dos mortais. Uma doença, não encontro outra palavra.

 

2 comentários:

  1. Entendo que se trata de uma opção natural e não de uma doença.

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Enfim, talvez as doenças também sejam opções naturais ou da natureza.

      Abraço

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.