Milton Greene, Marilyn Monroe, 1953 |
Se lhe tocassem os lábios, o corpo explodiria. Resignada, ela
mostra-os envolvidos em ardis para atrair o desejo, que ela não deseja, mas que
se lhe pega à pele como um animal viscoso, para a ferir com o anzol da peçonha.
Vive a meio caminho entre o dia claro e a noite mais escura. Nos olhos, lê-se o
espanto da culpabilidade tecido no véu da inocência. Os seus pensamentos são
feitos de nada e por isso são puros, sem nódoa, sem a mácula que quem a observa
logo neles espalha, cobrindo-a de escórias. Ela entrega-se ao devir, ao tumulto
que lhe rasga a alma, que lhe dilacera o corpo coberto pelo tafetá da beleza,
embora tramas e urdiduras não cheguem para tecer o sudário que lhe envolverá o
corpo morto. Uma perna repousa sobre a outra, mas o medo que lhe transtorna os sonhos
não encontra lugar onde descansar. Então levanta-se e corre rua a rua todos os
recantos que há dentro de si. Quase canta nas grandes avenidas iluminadas, para
logo, trémula e temerosa, se perder em ruas escuras e becos sem saída. Depois
volta e torna-se a sentar. Poisa uma mão sobre uma coxa e cobre-a com a outra.
Que fazer com estas mãos, pergunta-se. Que fazer com os meus lábios, murmura.
Uma oração cresce-lhe no peito, ondula nos seios e ilumina-lhe o rosto. O
público olha-a, preso ao fascínio, encadeado por uma luz que não sabe de onde
vem, mas que brilha na escuridão, que lhe traz o dia claro, enquanto ela recua
lentamente para dentro da casa da noite. Quanto maiores são as trevas onde se
afunda mais intensa é a luz que irradia. Tão luminosa está na sua escuridão,
que o público grita trouxe-nos o dia, trouxe-nos o dia. Dos seus olhos caem
lágrimas amargas, enquanto os lábios se cerram para que segredo algum por eles
se escape.
Excelente! Como se se tratasse de Norma Jeane.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
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