Philip Jones Griffith, Soldier with bulletproof shield. Northern Ireland, 1973 |
Protegido
no rosto por um escudo à prova de bala, o soldado caminha. A consciência
revolve-se. Os olhos prendem-se ao horizonte. Tem medo, mas caminha. Um incómodo
no ventre, mas olha em frente, de arma aperreada. Vai pelas ruas vazias e não
sabe se o inimigo o olha. Terá medo esse inimigo invisível? Aprendeu a conviver
com o medo e fez dele um aliado. Fala com ele, enquanto caminha. O medo
protege-o. Evita-lhe temeridades. O silêncio cresce com os seus passos, e o ar
pesa tanto que o sente nos ombros, no capacete que se agarra à cabeça. Uma rua
interminável, pensa, e, enquanto pensa, os pés dão passos que mascaram a
hesitação do caminhante. Será o fim da rua o ponto a que deverá chegar ou,
depois desta, haverá ainda outra, que terá de atravessar sob o véu translúcido
do silêncio? Recorda-se da namorada, do seu corpo despido, dos seios que o
esperam. Um ruído. Esquece a namorada, corre e abriga-se atrás de um carro. O
silêncio volta, ergue-se lentamente e retoma a viagem. Pensa nas janelas, nos
telhados, na voz da mãe. Lembra-se de quando jogava à bola num pátio, dos
gritos, dos golos falhados. Sou um alvo fácil, diz para si mesmo, enquanto se
aproxima do fim da rua e olha o horizonte através do escudo transparente
riscado pelo uso. Teme que o esperem ali mesmo e lembra-se da morte de alguns
camaradas. Há que chegar ao fim, incita-se. A rua conflui numa grande praça. Está
vazia, ou quase. Apenas um rapaz corre por ela. Ele ajoelha-se e aponta a
metralhadora. Pode ser um inimigo. Olha-o, enquanto ele corre para ele. Conhece-o
muito bem. O rapaz que corre é ele mesmo. Foge do passado, dos dias em jogava à
bola nos pátios, para se encontrar consigo sob o silêncio e a solidão do
soldado que vive na grande casa do medo.
Muito bom.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço