terça-feira, 19 de novembro de 2013

A certificação de Narciso

Francis Bacon - Auto-retrato (1971)


Selfie foi eleita a palavra inglesa do ano, devido ao crescimento exponencial do seu uso na internet. O Público, no título da notícia, diz que é uma nova forma de nos vermos. Será. A fotografia virtual é a água do Narciso actual. Mas isto não é tudo. Narciso, o do mito, definha preso à paixão pela sua própria imagem. Não pensa partilhá-la, tão certo estava da beleza que via e amava. O Narciso contemporâneo, porém, vive angustiado e atormentado pelo que vê quando se contempla. Precisa de partilhar a imagem para se certificar. Para se certificar de quê? Da sua beleza, claro. Dessa beleza que suscita likes e comentários nas redes sociais. Mas esse é apenas o aspecto superficial do exercício. O Narciso precisa de se certificar, perante o sentimento de vazio que o habita, da sua própria existência, de que é alguma coisa. Selfie não é apenas um exercício onde se manifesta a selfishness, o egoísmo, é, antes de mais, um ritual mágico para aplacar as dúvidas sobre a realidade da própria existência. Se selfie é uma manifestação da selfishness, ela é mais que tudo o sintoma da nothingness, da insignificância, da vida do homem contemporâneo.

4 comentários:

  1. Ainda há dias eu falava no absurdo que é as pessoas fotografarem-se a si próprias para depois colocarem as fotografias no facebook. Não entendo tamanho absurdo.

    Diz que é uma forma de darem expressão/conteúdo a uma realidade cada vez mais vazia. Talvez. Será também uma forma limite de solidão? As pessoas simularem que algum outro as fotografou para depois fazerem de conta que partilham a companhia de outros?

    Palavra que não consigo perceber isto. uma coisa tão estranha.

    E, no entanto, milhões e milhões de pessoas aderem a esta moda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. São os efeitos do niilismo. A perda dos grandes valor referenciais não foi, e não é acompanhada, pela criação de novos valores sólidos e orientadores da existência. As pessoas estão à deriva e o mais fácil é imitarem-se nestas ninharias, que, por seu turno, são bem reveladores do estado a que se chegou.

      Eliminar
  2. O Narciso contemporâneo é um "metrosexual" que frequenta os ginásios e quando olha para o espelho só vê o ego porque tem um "desfoque" na cabeça.

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tem um "desfoque" na cabeça quando a tem, o que talvez seja menos corrente do que parece.

      Abraço

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.