A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
O dr. Mário Soares, devido às suas últimas intervenções, tem sido o
bombo da festa de muitos sectores da direita, direita que, na verdade, muito
lhe deve. Não há, por aqueles lados, quem não desanque em Soares. Indignam-se
com o pedido de demissão do Presidente e do governo, bem como com as predições
do antigo presidente sobre o advento de uma nova ditadura e a possível
emergência, na sociedade, da violência social e política. Na verdade, há em
Mário Soares um tom quase apocalíptico, um desespero pelo rumo de Portugal e do
mundo. Será que o velho político perdeu o senso e vê coisas que mais ninguém
vê? Ter-se-á Mário Soares, no final da sua vida, tornado um radical? Terá
renegado a sua velha posição de político centrista?
Se o dr. Soares se converteu ao radicalismo, então encontrou um
estranho companheiro de jornada. Também, pelos parâmetros da nossa direita, o
Papa Francisco – aquele jesuíta conservador que era cardeal de Buenos Aires –
se terá convertido ao radicalismo esquerdista. Foi agora publicada a exortação
apostólica Evangelii Gaudium, que constitui uma espécie de programa do
papado de Francisco. Sobre a situação política e económica mundial a posição do
papa é, praticamente, igual à de Mário Soares. Quase que utiliza a mesma
linguagem. Para dizer a verdade, as palavras do Papa, nos pontos 53 a 60 da Evangelii
Gaudium, são ainda mais radicais do que as de Mário Soares. E como Mário
Soares, Francisco fala de uma nova tirania e profetiza, ainda como Mário
Soares, o surgimento da violência. A crítica do Papa Francisco ao capitalismo
global é devastadora, mostrando como esse capitalismo, através da política,
mata as pessoas, violando o mandamento divino Não matarás!
Na verdade, nem Mário Soares nem o Papa Francisco deixaram de ser o
que sempre foram. Não são radicais esquerdistas, mas pessoas preocupados com o
equilíbrio social e a harmonia entre as classes, isto é, velhos conservadores.
Perceberam, como muitos outros conservadores e centristas, que o mundo – e
Portugal com o mundo – caiu nas mãos de radicais, de pessoas que, através das
elites políticas, estão a sugar literalmente os povos e atirá-los para a
miséria. A ditadura de que fala Soares ou a tirania de que fala Francisco nem
precisam de eliminar a liberdade política. Basta que políticos subservientes e
venais tornem legal aquilo que é imoral. As pessoas não morrem de tiros. Morrem
de fome, de falta de cuidados de saúde, de desespero. Soares só se enganou numa
coisa, embora o Papa não. Nós não estamos à beira da ditadura. Ela já existe. É
a tirania do dinheiro.
A semântica tem sido uma "improvável" aliada do radicalismo, subverteu-lhe o significado. Esta direita videirinha e despojada de humanismo, aproveita habilmente a situação para aviltar quem lhe desmascara a tirania.
ResponderEliminarBom fim-de-semana
Abraço
Vivemos num tempo onde não há vergonha alguma e manipulação das palavras tornou-se moeda corrente.
EliminarBom fim-de-semana
Abraço
Belíssimo texto, excelente análise. Eu cá apreciei a noite da aula magna e a manif dos polícias, sentiu-se um cheirinho a revolução. As pessoas estão cansadas e sem esperança e até estão demasiado acomodadas, por causa disso mesmo. Quanto ao Dr Soares e O Papa... bom, 2 Sagitarianos a falar. Coincidência engraçada :) Bom fim de semana
ResponderEliminarObrigado. Sim as pessoas estão cansado. Por isso é bom a existência de vozes discordantes, mesmo que tenham quase 90 anos.
EliminarBom fim-de-semana.