Hiro Yamagata - Leilão (1983)
Quando caiu o Muro de Berlim e implodiram os regimes socialistas do bloco de Leste, proliferam teorias fantasiosas sobre a vitória do liberalismo, chegando mesmo Francis Fukuyama a proclamar o fim da História. Isto não significava afirmar que não haveria mais tumultos e revoltas, mas que a humanidade teria atingido, com a democracia política e a economia de mercado, aquilo que seria possível esperar da sociabilidade humana.
Há certos locus sociais que representam muito mais do que aquilo que eles são em si mesmos, tornando-se, muitas vezes sem que se dê conta disso, verdadeiros símbolos onde toda a realidade social se resume e vê manifestar o seu sentido. O leilão é um exemplo disso. No leilão, o mercado funciona em toda a sua pureza. O valor da mercadoria revela-se ali na sua verdade, revelação essa suscitada pela relação entre oferta e procura.
Isto que funciona para as coisas que se transaccionam - desde objectos de arte até a barris de petróleo ou cereais - também funciona para o trabalho dos homens. Na verdade, nas economias de mercado, todos os seres humanos são objecto de um ininterrupto leilão. O ideal regulador das práticas liberais é desregular o mercado de trabalho, para deixar acontecer o leilão em toda a sua pureza, para que o valor daquilo que cada um dá ao trabalhar surja na verdade determinada pela oferta e a procura. Este, porém, é o principal problema para os defensores do fim da História e do liberalismo puro e duro.
A economia de mercado funciona na suposição de que o trabalho humano, o esforço dos homens, não passa de uma mercadoria, de uma coisa. Isto, contudo, nunca deixará de ser sentido por muitos homens como uma imoralidade e uma imperfeição das nossas sociedades. O esforço do homem não é uma coisa entre coisas, um objecto entre objectos. Ele é a realização da sua humanidade e o produto da sua razão (teórica e prática). Enquanto, uma parte da humanidade achar que não é uma mercadoria, o liberalismo estará sobre fogo e a História longe, muito longe, do fim.
Vai chegar o dia em que o liberalismo, ora triunfante, será depreciado e o leilão ficará deserto sem ninguém a licitar, ninguém a dar mais. Nesse dia a martelada final será outra...
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Talvez, mas isso pode não significar o fim da história, um fim feliz. O mais provável é que se substitua o leilão por outra espécie de imoralidade.
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