A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Hoje não escrevo sobre a crise. Acabei de ver o jogo de Portugal na
Suécia e apetece-me falar de futebol. Não da excelência de Cristiano Ronaldo ou
do destino português de deixar as coisas para última hora, que é como quem diz
para o play-off, mas do que há de contraditório no fenómeno futebolístico.
O futebol não é apenas um jogo que move milhões e arrasta multidões pelo mundo
fora. Ele tem, talvez como nenhum outro fenómeno, a capacidade de simbolizar o
mundo em que vivemos.
Se olharmos para o que se passa nos grandes clubes, o futebol
tornou-se uma imagem perfeita da globalização, da mobilidade de pessoas e de
capitais. O dinheiro move-se e compra clubes e jogadores. Clubes ingleses são
comprados por russos, árabes, sabe-se lá por mais quem. Ao transformarem-se em
sociedades anónimas desportivas, os grandes clubes transitaram de uma
associação local para uma sociedade do mercado global.
Apesar das competições mais importantes para os clubes serem ainda
nacionais e continentais, o futebol de clubes é o espelho da perda de
referências nacionais. As equipas dos grandes clubes – e até dos pequenos – são
constituídas por jogadores das mais diversas proveniências, dissipando-se, nos
balneários, a referência do clube à sua pátria de origem. Mesmo a relação entre
adeptos e clubes – grandes clubes, claro – está a perder a tonalidade
paroquial. Real Madrid, Barcelona ou Manchester United têm adeptos por todo o
mundo. São clubes verdadeiramente globais. E todos os grandes clubes gostariam
de se tornar globais.
Curiosamente, o mesmo futebol, talvez com os Jogos Olímpicos,
tornou-se no derradeiro lugar onde o patriotismo e o apelo da nação resistem à
usura dos mercados globais. Ao nível das selecções, o que está em jogo é o
triunfo de uma nacionalidade, de uma pátria, sobre todas as outras. Num mundo
orientado para os mercados, as grandes empresas, como o dinheiro, não têm
pátria. O globo terrestre é o território onde operam. É a ideologia de um para-além das
pátrias que o liberalismo prega por todo o lado. Ora, o futebol parece resistir
a esta rasura da dimensão nacional ao afirmar, através das selecções, o fervor
patriótico das comunidades.
Não é claro, todavia, se o futebol funciona como escape onde é
permitido a manifestação do amor patriótico ou se é um elemento a que as
pessoas recorrem como forma de resistência afectiva à pressão dissolvente de um
mercado global. Este enigma torna o futebol um elemento central para nos
interrogarmos sobre os caminhos que a política trilha nos dias de hoje, pois há
futebol e futebol.
Quando bem jogado, o futebol é um fenómeno incontornável, que alia a beleza estética dos movimentos individuais e colectivos a estratégias e tácticas previamente delineadas numa perfeita simbiose de todos os seus elementos, o que o transforma num espectáculo admirável.
ResponderEliminarLamentavelmente, os vários poderes, nomeadamente o político e o económico, utilizam-no de maneira indecorosa, como manobra de diversão ao serviço de interesses quase sempre obscuros.
Bom fim-de-semana
Abraço
Julgo que o próprio futebol, enquanto instituição, gosta de ser utilizado pelos interesses obscuros.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço
Acredito que sim.
ResponderEliminarJá agora, gostei muito da capa do "Torrejano" de hoje.
Pois, isto aqui é centro de benfiquistas.
EliminarAbraço