segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Escrever e prescrever

Ronald B. Kitaj - Passion (1940-45) Writing

Em toda a escrita esconde-se uma estranha, embora banal, paixão. Em todo o escrever oculta-se uma vontade de prescrever. Não me refiro sequer à escrita jurídica que estabelece a lei ou aos códigos onde a lei religiosa emerge para ordenar um caminho de salvação aos homens. Refiro-me às realizações artísticas da própria escrita. Poesia, romance, drama são, em última análise, formas de prescrição com que os leitores se confrontam. Isto não significa que uma obra literária se resuma ou sequer contenha um imperativo ou um qualquer mandamento que se queira impor ao leitor. A questão reside na escrita, no seu carácter opaco, no desafio que ela coloca ao leitor. Uma obra de arte literária não pede para ser lida, mas exige que o leitor, ao lê-la, construa ou reconstrua o mundo que ela traz consigo. O imperativo de toda a escrita é que se penetre nela, até que ela deixe cair a opacidade e se torne transparente, deixando o mundo que, ao mesmo tempo cria e esconde. 

6 comentários:

  1. Ou escrever pelo prazer de escrever, tendo como objectivo o próprio escrever. Ou quando caminhar e escrever se confundem. Também pode acontecer... ou não?

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  2. Será que essa prescrição impele o leitor a especular e, até, a subverter a intenção do autor?

    Abraço

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    Respostas
    1. Tanto quanto um maestro subverte a escrita do compositor.

      Abraço

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    2. Uma obra é tanto mais intemporal quanto mais aberta. Que cada um se sinta livre de a adoptar como sua - adoptar, adaptando-a a si. O maestro, o intérprete, o espectador. A música. A escrita. A pintura. Todas as formas de arte.

      Uma obra aberta, sem amarras, livre de interpretações que a sujeitem. Uma obra que todos a percorram infinitamente. Caminho e caminhar.

      (Qualquer coisa assim, não sei explicar bem)

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    3. Quanto mais aberta for uma obra, mais prescritiva, no sentido que dei a prescrição no post, ela se torna para o leitor. Uma obra completamente fechada, de sentido unívoco, se tal fosse possível - e não é - acabaria por ser meramente indicativa ou informativa mas não prescritiva.

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  3. O meu problema não está em escrever mas na própria coisa escrita. A escrita, a coisa escrita, é imperativa. Talvez fosse o Steiner ou o Agamben que lembram o início da escrita ligada ao poder. Uma coisa escrita ordena-nos que a interpretemos, que lhe encontremos sentido, que a reconstruamos.

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