A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Não queria escrever sobre a vexata
quaestio das praxes académicas. O que me demoveu desse intento foi ver, num
programa de televisão, um estudante proclamar: todos nós temos direito a ser humilhados. Vi, ouvi e recostei-me
sem alento. Todos aqueles rapazes e raparigas que ali estavam em defesa da
praxe vinham anunciar um novo direito, o direito à humilhação. No meu
desalento, e perante aquela gente que, toda ela, teve aulas de filosofia no
secundário e estudou a ética de Kant, perguntei-me para que serve um professor
de filosofia. Para que serve ensinar que a moral kantiana nos impõe como dever
absoluto o respeito pela dignidade da pessoa, tanto na nossa pessoa como na de
qualquer outro? O direito à humilhação, agora reivindicado pelos jovens adeptos
da praxe, é o direito a não ser respeitado, é o direito a que a nossa condição
de pessoa seja suspensa e sejamos tratados como coisas. Para que serve um
professor de filosofia, se os seus antigos alunos querem ser coisas?
Depois pensei na história dos homens e tornei-me menos severo com a
minha profissão. Na verdade, vinte séculos de Cristianismo e de prédica do amor
ao próximo de nada serviram. O próximo não quer ser amado, quer ser humilhado.
Três séculos de Iluminismo e de glorificação da razão e da ciência são nada
perante o novo e romântico direito de ser humilhado. Dois séculos de direitos
humanos, direitos que sublinham o respeito pela pessoa, e estes garbosos
rapazes e raparigas gritam bem alto: o único direito que nos interessa é o de
sermos humilhados.
Houve tempos em que os estudantes universitários correram sérios
riscos para defender o direito inalienável – pensava eu – de ninguém ser
humilhado. Era neles – também neles – que se fazia ouvir a voz da razão. Hoje
os estudantes apenas querem ser integrados num círculo onde a humilhação é a
moeda de troca. Hoje sou humilhado, amanhã humilharei. Eis uma experiência de
vida, como dizem os adeptos da praxe. É esta experiência que trarão para as
empresas, para as instituições, para o país. Este caldo cultural que, há
algumas décadas, começou a fermentar na universidade portuguesa não augura nada
de bom. Corremos o risco de vir da própria universidade o desprezo pela
liberdade, o ódio ao saber, a perseguição aos direitos humanos básicos, a nova
inquisição com as suas fogueiras. Tudo isto em nome do direito à humilhação, o
qual tem, por contrapartida lógica, o dever de humilhar. A partir da
universidade, a sociedade está a tornar-se num imenso e reles reality show sado-masoquista. Vão-se
catar.
Parece que sim. Grande parte da sociedade que se (en)forma da universidade optou pela sordidez como padrão de vida.
ResponderEliminarAs excepções, que as há, sentem-se cada vez mais a mais, nesta realidade deplorável.
Um abraço
Verdadeiramente deplorável.
EliminarAbraço
Excelente análise, e excelente comentário também do jrd. Subscrevo ambos. Inenarrável. Com direitos assim... está tudo dito.
ResponderEliminarInenarrável, é o que há a dizer.
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