Um dos aspectos mais doentios dos defensores das políticas
governamentais prende-se com o problema da terrível
herança do despesismo. A partir do púlpito governativo, das cátedras
televisivas ou das tribunas da blogosfera, um conjunto de sacerdotes da
ausência de despesa pública arengam contra as velhas gerações gastadoras.
Fazem-no, sem pudor, em nome das novas gerações que irão ficar a braços com uma
terrível dívida. Esta retórica pantanosa pretende misturar, como se fossem a
mesma coisa, o conjunto de investimentos em importantes infra-estruturas
materiais e imateriais com os gastos resultantes da corrupção ou dos delírios
eleitorais das várias irmandades que têm estado no poder em Portugal.
É preciso sublinhar – pois são muitos os distraídos – que as gerações
mais velhas, as tais que são agora acusadas de despesismo e de deixarem uma
dívida para as outras gerações pagarem, quando morrerem não irão levar para a
cova as auto-estradas, os hospitais e centros de saúde, as bibliotecas, os
centros desportivos. Também não levarão as universidades, os politécnicos, as
escolas, nem os laboratórios ou os centros de investigação. E mesmo que gostem
muito de futebol, deixarão cá os malfadados estádios do Euro de 2004. Essas
gerações, quando morrerem, também não levarão as licenciaturas, mestrados e
doutoramentos que ajudaram a pagar aos filhos e aos netos. Se estivermos bem
atentos, a terrível e negra herança da dívida tem um lado solar e luminoso.
Tornou, apesar de tudo o que a crise trouxe de mau, a vida das novas gerações
melhor e Portugal num país menos risível. Este discurso geracional é absurdo e
injusto. Ninguém das gerações agora acusadas levantou a voz contra a dívida
contraída na Monarquia e que só acabou de ser paga em 2002.
Mas não houve má despesa pública? Houve. Houve decisões erradas e
dinheiro que se perdeu nos corredores da corrupção. Mas esta campanha contra a
despesa pública, uma campanha que confunde investimento no país e nas pessoas
com falcatruas e delírios eleitorais, tem um duplo objectivo. Em primeiro
lugar, justificar a destruição das estruturas do Estado que visam fomentar a
igualdade de oportunidades (a Educação, a Saúde e a Segurança Social). Em
segundo lugar, e esse é o seu desiderato final, transferir grandes somas das
instituições públicas para as mãos de privados, mercantilizando o acesso à
saúde, à educação e, se for possível e rentável, à própria segurança social. O
que esta gente pretende, em nome das novas gerações, é destruir qualquer
possibilidade dessas gerações terem uma vida digna.
Se me permite, o meu comentário está inteirinho na sua crónica. Abrangente e assertiva, contempla tudo o que esta gente perversa precisa que lhe escarrapachemos na cara. Assino por baixo.
ResponderEliminarUm abraço
Acho, porém, que não têm cara. Se a tiverem, não têm vergonha.
EliminarAbraço