Recuperação de textos do meu antigo blogue averomundo, retirado de circulação. Este texto pertence a uma série
denominada cadernos do esquecimento. Texto
de 3.11.2009.
Desde que comecei, aqui no blogue, a publicar poesia feita em cima de
quadros, a exibição da figura humana, nesses quadros, foi-se tornando cada
vez mais rara. Há séries (séries de poemas publicados no averomundo) onde ela é constante, mas nas últimas, actual
incluída, são cada vez menos os quadros onde se vislumbra um ser humano. Não
quer dizer que os não haja. A primeira série deste género que publiquei, uma
série feita sobre - em cima de - quadros de Gustav Klimt, tinha um certo
equilíbrio entre quadros onde a figura humana estava presente e outros onde ela
estava ausente. Vista daqui parece o prenúncio de uma certa esquizoidia,
entendida esta na sua raiz grega, que remete para uma cisão, uma fenda que se
abre na forma das coisas, neste caso da realidade humana.
Esta evolução, provavelmente passível de reversão, não representa um
acréscimo de misantropia, nem um culto tardio dos deuses silvestres, nem uma
patologia específica, espero. Por vezes, a humanidade cansa-nos, ou cansamo-nos
de nós próprios, o que vai dar ao mesmo. Isso seria uma boa razão para o seu
esquecimento. Um olhar enviesado sobre o homem, por outro lado, pode ser
mais penetrante, poeticamente falando, do que um olhar directo. Ao ir apagando
a figura humana, deixo pairar perante o olhar as suas obras, a aldeia que fez
nascer, a paisagem que deixou subsistir, a casa que construiu, a ponte que
ergueu entre duas margens. Estas obras humanas transfiguradas pela arte acabam
por tornar o Homem, apesar de tudo, mais aceitável. São uma ilusão, mas são aquela
ilusão que permite não desesperar completamente da humanidade. Esquecer os
homens nas suas obras, naquelas sobre as quais a arte fez cair o véu da
ilusão, poderá ser a condição necessária para os aceitar.
Atendendo à sua bonomia na escolha das eventuais obras do homem, sou capaz de concordar.
ResponderEliminarBom fim-de-semana
Um abraço
Não esquecer o véu da ilusão.
EliminarBom fim-de-semana,
Abraço