A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Nos finais do século passado discutiu-se com afinco o fim das grandes
narrativas, uma ideia do filósofo francês Jean-François Lyotard. As grandes
narrativas seriam formas de interpretação da realidade que davam ao homem uma
compreensão global do mundo e da vida. O iluminismo, o marxismo, o idealismo,
mas também o cristianismo, eram grandes narrativas que tinham perdido a
capacidade de fornecer uma compreensão da realidade e de orientar um programa
de acção política e social. A crença mais generalizada era a de que o tempo das
grandes explicações do real tinha passado.
Ao mesmo tempo que essas narrativas tradicionais perdiam de facto
apelo, outras ocupavam o palco da história. Do ponto de vista religioso, por
exemplo, o Islão ganhou visibilidade enquanto grande narrativa orientadora da
acção política. No pólo ocidental, o liberalismo tornou-se ele mesmo a única
grande explicação da realidade social e a singular orientação dos governos. Sem
se perceber isto, é impossível perceber o que se passou e passa nas ditas
primaveras árabes, o que se passa na Europa do Sul, na Síria, na Venezuela e,
agora, na Ucrânia.
O que está sempre em jogo é a abertura dos mercados e a conformação da
realidade política a uma forma de governo que tenha como objectivo central o
fomento do lucro privado. Quando as coisas não correm bem mas os governos
simpatizam com a ideia, temos as intervenções do FMI, com ou sem troika. Quando os governos resistem ao
apelo liberal, começam as manobras de levantamento popular até que os governos
caiam. Caso seja necessário, recorre-se à intervenção armada, como no Iraque.
Perceber o que se está a passar na Ucrânia implica ter em conta a estratégia
das potências liberais e a grande narrativa do liberalismo.
Talvez os EUA e a UE se tenham, no entanto, equivocado num ponto.
Pensaram que a Rússia, agora que se tinha despedido do marxismo, estava condenada
a converter-se, também ela, ao liberalismo e que a penetração do Ocidente na
Ucrânia, e depois na Rússia, eram favas contadas. Daí a extraordinária
exclamação de Obama: a Rússia está do
lado errado da história. O que o Ocidente não quer compreender é que
existem outras grandes narrativas para além da sua. Também os russos têm a sua
grande explicação sobre o seu papel no mundo, e demonstraram nestes dias que
não estão dispostos a abdicar dela. Veremos se, em pleno século XXI, o sangue
correrá na Europa em nome do conflito entre a grande narrativa liberal do
Ocidente e a grande narrativa imperial russa. Os homens adoram matar-se em nome
de grandes ideias, mesmo que estas apenas escondam os interesses mais
mesquinhos.
As grandes narrativas Liberal e Imperial tem muito mais afinidades do que se imagina. O Capitalismo não morreu apenas se adapta consoante os tempo e os espaços.
ResponderEliminarO Ocidente ainda se vai arrepender de ter derrubado o muro. Digo eu que nunca gostei de muros...
Um bom fim-de-semana
Abraço
O problema do Ocidente é que perdeu a consciência de si. Trocou-a por uma conta num qualquer paraíso fiscal.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço