A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Um estudo europeu – European Social Survey “Significados e avaliações
da democracia” – mostra a existência, em Portugal, dum declínio da satisfação
com a democracia. Os dados da investigação referem que, nos países com maiores
desigualdades de rendimentos, a justiça social surge como elemento
indissociável do conceito de democracia. Ora, segundo alguns intelectuais de
orientação liberal, a democracia não deve estar ligada às expectativas de
evolução dos rendimentos das pessoas ou a considerações de igualdade social. A
democracia seria apenas um método de escolha da governação, cujo valor seria
intrínseco, isto é, que valeria independentemente do rendimento da população ou
do sentimento de equidade social.
Esta abstracção não tem em conta que a democracia tem, antes de mais,
um valor instrumental. Ela serve para alguma coisa. A democracia deve ser vista
sempre – como o mostra a tradição política clássica do Ocidente – em
concorrência com outros regimes políticos. Os regimes políticos visam assegurar
uma vida social pacífica, onde as pessoas possam desenvolver os seus projectos
de vida, os quais têm por finalidade promover a sua felicidade e bem-estar. Se
a democracia for apenas um método de escolha das elites governantes, corre o
risco de perder o conteúdo substancial (permitir que as pessoas se realizem) e
tornar-se dispensável. É isto que o estudo referido detecta.
O declínio da satisfação com a democracia em Portugal nasce,
certamente, da percepção, por parte dos portugueses, de que o regime não lhe
está a proporcionar a possibilidade de realizar os seus legítimos anseios.
Neste momento, a democracia não consegue evitar a emigração massiva dos
portugueses, não consegue evitar a contínua diminuição dos seus rendimentos, não
consegue evitar o desemprego avassalador, não consegue evitar o crescimento
exponencial das desigualdades, não consegue evitar o estranho sentimento de que
não há futuro que valha a pena.
Em Portugal, a democracia nasceu intimamente ligada à esperança de uma
vida mais digna e mais realizada. Ao negar-se à vida democrática a capacidade
de promover essa esperança e essa dignidade, está-se a abrir o caminho para que
emirja o desejo de outro tipo de governação. Não é que o actual governo ou o
anterior sejam não democráticos ou os seus membros não advoguem um regime
democrático. O problema está nas políticas abraçadas pelos governos. São estas
políticas – com o seu projecto de acentuação das desigualdade e injustiças
socias – que estão a destruir a democracia e a abrir o caminho para soluções
autoritárias.
Depois de uma anestesia de meio século as sequelas da ignorância e do conformismo foram apenas uma questão de tempo.
ResponderEliminarA madrugada libertadora, antes sonhada e depois vivida, vai-se desfazendo na bruma dos amanhãs que desistiram de cantar, porque de novo lhes estão a roubar a voz.
Um abraço caloroso daqui, do frio.
Boa estadia pelas terras frias do norte. Depois de uma anestesia de meio século, acor´damos por uns momentos, para depois voltar a adormecer.
EliminarAbraço