Francis Bacon - Cabeça III (1961)
O tempo está fora dos eixos. (W. Shakespeare, Hamlet)
Por uma qualquer patologia, deu-me para pensar sobre mim e fui ter à frase de Hamlet. A constatação hamletiana de que o tempo está fora dos eixos pode sempre ser lida como uma avaliação da modernidade que então se iniciava, como a consciência de um ruptura com a velha ordem medieval, a qual, na verdade, fornecia os eixos em torno dos quais o tempo girava, na sua ciclicidade, e donde, na época de Shakespeare, havia já a clara consciência de que se tinha soltado. A sorte maldita do pobre Hamlet residiria na consciência infeliz da sua tarefa: a de ter nascido para voltar a colocar o tempo nos eixos. A heroicidade do propósito e o sentimento de maldição que ela acarreta devem-nos contudo fazer suspeitar de outra coisa.
Desenhava-se já ali a difusa consciência de uma inédita situação. Não se tratava de o tempo ter-se soltado dos eixos, mas dos eixos terem desaparecido. Não mais um outro tempo teria os seus eixos, em torno dos quais a vida pudesse girar na ciclicidade de um eterno retorno. Os tempos não retornam mais, pois os eixos foram roubados. A partir de agora, a cada novo tempo apenas lhe resta o ir destrambelhado para a frente e para baixo, como se a gravidade lhe determinasse a queda e o desejo o tornasse vítima da voragem do futuro. Acabaram-se os eixos, ficou o tempo e isso parece-me tão pouco consolador quanto parecia à Hamlet a tarefa que lhe competia. Tenho a vantagem de ser plebeu, o que não me atribui qualquer tarefa e assim deslizo tranquilo, desfigurado, apatetado e, como o anjo da história, empurrado pelo vento que sopra do paraíso.
Por uma qualquer patologia, deu-me para pensar sobre mim e fui ter à frase de Hamlet. A constatação hamletiana de que o tempo está fora dos eixos pode sempre ser lida como uma avaliação da modernidade que então se iniciava, como a consciência de um ruptura com a velha ordem medieval, a qual, na verdade, fornecia os eixos em torno dos quais o tempo girava, na sua ciclicidade, e donde, na época de Shakespeare, havia já a clara consciência de que se tinha soltado. A sorte maldita do pobre Hamlet residiria na consciência infeliz da sua tarefa: a de ter nascido para voltar a colocar o tempo nos eixos. A heroicidade do propósito e o sentimento de maldição que ela acarreta devem-nos contudo fazer suspeitar de outra coisa.
Desenhava-se já ali a difusa consciência de uma inédita situação. Não se tratava de o tempo ter-se soltado dos eixos, mas dos eixos terem desaparecido. Não mais um outro tempo teria os seus eixos, em torno dos quais a vida pudesse girar na ciclicidade de um eterno retorno. Os tempos não retornam mais, pois os eixos foram roubados. A partir de agora, a cada novo tempo apenas lhe resta o ir destrambelhado para a frente e para baixo, como se a gravidade lhe determinasse a queda e o desejo o tornasse vítima da voragem do futuro. Acabaram-se os eixos, ficou o tempo e isso parece-me tão pouco consolador quanto parecia à Hamlet a tarefa que lhe competia. Tenho a vantagem de ser plebeu, o que não me atribui qualquer tarefa e assim deslizo tranquilo, desfigurado, apatetado e, como o anjo da história, empurrado pelo vento que sopra do paraíso.
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