A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
Alguém convenceu Passos Coelho de que tinha uma missão providencial. O
actual presidente do PSD não compreendeu que fora apenas eleito para pôr cobro
aos desmandos de José Sócrates e não para uma aventura milenarista. Com ele,
terá imaginado, Portugal tornar-se-ia uma pequena potência liberal. Rodeado por
gente imbuída de semelhante credo e aproveitando, como justificação, a
intervenção da troika, o
ex-primeiro-ministro fustigou o país com este delírio disparatado, para horror
daqueles que lhe sofreram as consequências e espanto da velha direita, que
conhece bem o país e os limites que este impõe a tais devaneios. Por estranho
que possa parecer a esta gente, Portugal não é um país anglo-saxónico. Não é a
Inglaterra nem sequer a Irlanda. Tem uma cultura diferente e é com essa que tem
de viver.
O problema central do país não é a dívida pública, mas a própria
fragilidade da sociedade. Fragilidade que começa por uma capacidade de
iniciativa reduzida, devido à falta de autonomia dos cidadãos, sempre
embrulhados numa cultura que, mesmo nas empresas privadas, privilegia as redes
clientelares à competência e autonomia da pessoa, e que acaba numa economia que
ainda não conseguiu refazer-se da entrada no Euro e do choque da globalização.
O que era exigido – e continua a ser exigido – é um esforço em várias frentes.
Não descurar o problema da dívida e dos compromissos internacionais, mas, ao
mesmo tempo, dar uma atenção muito especial à modernização da nossa economia –
fazendo-a entrar definitivamente na época da digitalização – e, uma não menor
atenção ao reforço da autonomia dos indivíduos, à capacidade destes intervirem
na realidade, ao fortalecimento do poder de iniciativa.
Portugal não pode, de um momento para o outro, tornar-se um país
liberal, mas pode ir, paulatinamente, adquirindo uma atitude mais liberal,
menos dependente do Estado, mais de acordo com aquilo que é exigido pelo mundo
onde nos encontramos. Em muitos países não anglo-saxónicos, a difusão liberal
foi feita ao mesmo que tempo que foi reforçado o Estado social. Este não serve
apenas como uma forma de assistência aos desvalidos. Ele funcionou e funciona
como um reforço da iniciativa dos próprios indivíduos, o que acaba por ter um
efeito positivo no desenvolvimento de uma cultura liberal. Depois do devaneio
de Passos Coelho, chegou a vez de António Costa. O que lhe é exigido não é
pouco. Fazer a quadratura do círculo. De mão dada com os partidos à sua
esquerda, que desconfiam do liberalismo, dar passos decisivos na modernização do
país.
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