Corrado Giaquinto - O Sacrifício de Ifigénia
Um perigo idêntico, numa leitura acrítica de Maistre, seria acreditar que a irracionalidade social e a violência simbólica, que tanto o interessaram, pertencem ao passado e que podem ser ignoradas com segurança. O seu trabalho ilumina uma classe de factos políticos e sociais geralmente ignorados pela tradição, a que ele se opôs, do pensamento político inspirada pelo Iluminismo. (Owen Bradley)
Joseph de Maistre é um autor, apesar de relativamente desconhecido, muito importante para compreender o mundo em que vivemos. Não por ter sido um reaccionário que, com uma prosa brilhante e anunciadora do Romantismo, se opôs à Revolução Francesa, mas porque pensou naquilo que o Iluminismo, um seu inimigo de estimação, recalcou. Um dos temas que prendeu a atenção reflexiva de Maistre foi o sacrifício. Nele cruzam-se a irracionalidade social e a violência simbólica. Qual a importância de pensar o sacrifício nos dias de hoje?
Dois motivos nos conduzem para essa necessidade. Em primeiro lugar, a ambivalência do discurso económico e político que, ao mesmo tempo, apela ao consumo e à maximização dos prazeres como motor dos mercados e, por outro lado, impõe políticas de austeridade que exigem práticas sacrificiais que diminuem o consumo e impõem uma minimização do princípio de prazer. A situação cai directamente nas categorias da irracionalidade social (exigências contraditórias) e da violência simbólica (as austeridadess que o corpo deve sofrer para refrear a busca de prazer).
Em segundo lugar, a reflexão de Maistre sobre o sacrifício pode ajudar-nos a compreender aquilo que para nós, ocidentais, é motivo de preocupação e escândalo. Traduzo um pequeno excerto de uma entrevista de Pierre Hassner, um investigador frnacês de Relações Internacionais, na edição de 2016 do Bilan du Monde, editado pelo Le Monde: Com efeito, tudo o que faz a complexidade e a dificuldade do mundo é que há pessoas que pensam sinceramente ganhar o paraíso e fazer triunfar a «verdadeira religião» sacrificando a sua vida para matar os «infiéis». O terrorismo islâmico trouxe para a primeira linha política a problemática sacrificial. É esta problemática - que o Iluminismo recalcou pensando que a luz da razão dissolvia a irracionalidade sacrificial - que está na base da complexidade da situação geopolítica internacional.
Tanto a situação económico-financeira internacional como a situação geopolítica são marcadas pela desordem, uma desordem introduzida pela desmedida dos homens. O sacrifício (deixo de lado a teoria da reversibilidade, a qual ajudaria explicar a vitimização dos sacrificados) é uma forma de contrabalançar estar desmedida e este excesso. O que está em jogo não é utilizar Maistre para legitimar os sacrifícios que ocorrem. O que está em questão é pensar, na sua economia profunda, o significado social desses sacrifícios e encontrar novos caminhos, tanto na ordem económico-social como na ordem geopolítica.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.