René Magritte - As Férias de Hegel (1958)
Portugal é um país difícil, embora semi-ameno e, apesar das
aparências, semi-amável, e isto é já ser tolerante. Quanto aos portugueses,
estes têm dias. Às vezes, possuem o dom de fazerem poucas conexões neuronais.
Também consta que possuímos o QI médio mais baixo da Europa Ocidental. Basta
chegar a Badajoz e o QI sobe, por milagre, três pontos. Quando me sinto
irritado – coisa que acontece mais do que devia – com o pouco uso que a
variante portuguesa do homo sapiens
sapiens faz das estimáveis conexões neuronais lembro-me sempre de uma ocorrência
passada, há uns anos, num daqueles restaurantes de referência, garfo de ouro, à
época, do Expresso.
Chegámos e entrámos para uma sala onde havia apenas outro casal. Fomos
sentados numa mesa suficientemente longe desses comensais. Passado pouco tempo,
ficámos sozinhos. Até que chega um novo casal, gente cinquentona como nós,
acompanhado pela mãe dele. Falavam alto e nasalavam as palavras, marido e
mulher por pouco não se tratavam por tio e tia. Evidenciavam uma boa instalação
na vida e a frequência dos sítios certos. A mãe dele olhava para a nora com a
habitual condescendência que se tem quando se acredita que os filhos não
souberam escolher a mulher. O empregado teve a infeliz ideia de dizer “podem
escolher, estejam à vontade” (foi aqui que eu comecei a desconfiar dos garfos
de ouro).
Ora há um princípio essencial na vida em Portugal: um português nunca
deve ser deixado à vontade. Entre as múltiplas mesas existentes na sala vazia,
a única que interessou a estes extraordinários portugueses deixados à vontade
foi a contígua à nossa, ali mesmo a uns escassos 50 a 70 cm do meu prato. A
esta primeira amabilidade, que me fez acreditar possuir o poder da
invisibilidade, acrescentaram, perante o silêncio constrangido em que tomámos a
refeição, ainda as suas ruidosas opiniões sobre isto e aquilo e até sobre uma
pessoa que, por acaso, conhecíamos muito bem de outras e longínquas paragens.
Por vezes, penso que sofremos de um défice de qualquer coisa, ou de um superavit de estupidez. Não, não,
nem sempre é fácil a vida em Portugal.
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