A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
Um véu negro, entretecido por uma má fama, caiu sobre a palavra
austeridade. No entanto, o actual destino da palavra é injusto. Pelo menos,
parcialmente. Na verdade, o vocábulo latino austēru
(austero) significa rude, áspero. Num mundo, onde tudo se quer fácil e
confortável, rudeza e aspereza não são qualidades suportáveis. Este é o lado
mais negro. Austeritāte (austeridade),
todavia, significava para os antigos romanos seriedade. A sua ligação à ideia
de seriedade mostra já um lado luminoso na austeridade.
Num mundo de grande desperdício, quando a natureza – a qual foi vista
após a Revolução Industrial como um stock
de matérias primas para consumo humano – dá mostras de exaustão e de impotência
para alimentar todos os devaneios que a capacidade técnica dos homens e a
voracidade dos interesses próprios são capazes de criar, a ideia de
austeridade toma um lugar central na luta pelo equilíbrio do planeta.
A contenção do desejo, o rigor na limitação do desperdício, a
disciplina na relação com a natureza, tudo isso só pode ser visto como
virtuoso. E sendo virtuoso, como uma norma moral que deveria regular – com seriedade e severidade – o
comportamento de todos os seres humanos. Em primeiro lugar, o daqueles que
vivem nas sociedades mais ricas do planeta.
O que promove a má fama da austeridade é a sua contaminação política e
a suspeita de que a sua distribuição não é igual para todos. Nas actuais
políticas de austeridade, os que são atingidos por elas percebem que os
recursos que lhes são retirados não visam uma austeridade virtuosa. Visam antes
a transferência para aqueles que são mais poderosos.
O problema da austeridade não está nela mesma, mas no facto da
austeridade de muitos servir a exuberância e o excesso de alguns. Em sociedades
como a nossa, marcadas pelo cálculo racional e egoísta e alicerçadas na inveja,
a virtude da austeridade só seria aceitável se os mais poderosos se entregassem
eles próprios, de forma séria e severa, à austeridade. Como se sabe, apesar de
eles a recomendarem aos outros, não a vêem como um dever para eles. Pelo
contrário.
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