Destes primeiros momentos do mandato presidencial de Marcelo Rebelo de
Sousa (MRS), vale a pena sublinhar, pelo seu significado político, três sinais.
Em primeiro lugar, aquele que mostra uma atenção precisa aos problemas colocados pelo mundo actual. A participação numa cerimónia inter-religiosa, na mesquita
de Lisboa, onde estiveram presentes dezoito confissões, ultrapassa
em muito a preocupação religiosa, de cariz ecuménico, e baliza aquela que deve
ser a posição de Portugal num mundo de grande complexidade cultural. A presença
do novo PR, nesse encontro, significa a rejeição tanto de um modelo
monocultural (onde uma cultura se impõe a todas as outras) como de um modelo
multicultural (onde a tolerância entre culturas diversas assenta na sua
ignorância e indiferença mútuas). O gesto de MRS indica um caminho de diálogo
intercultural, de negociação republicana de formas de estar e de viver, sob a
mesma lei e a mesma bandeira. Uma opção clara por uma dimensão política
interculturalista.
Em segundo lugar, a crítica clara, no seu discurso de tomada de posse,
a uma visão liberal da sociedade. Essa crítica assenta na relação que
estabeleceu entre a mão invisível (uma metáfora, de cariz liberal, que designa
a ideia de que o bem comum resultaria, sem qualquer planeamento, do facto de
cada um seguir o seu interesse egoísta) e a situação precária em que vive parte
significativa dos portugueses. Nesta crítica há não apenas o afastamento em
relação a Cavaco Silva como uma clara demarcação daquilo que foi o guião ideológico
do governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Não, não nos precipitemos. MRS não
se tornou um homem de esquerda. Foi apenas fiel às suas raízes políticas: a
social-democracia tal como entendida pelo núcleo original do PPD e a doutrina
social da Igreja. Tanto uma como outra nunca se reconheceram na retórica
liberal nascida com Adam Smith.
Em terceiro lugar, a escolha do Vaticano como o lugar da primeira
visita enquanto PR. Este é o mais forte, politicamente, dos três sinais. MRS
não vai em peregrinação a Roma. Também não vai, como PR de um país de maioria
católica, prestar vassalagem ao sucessor de Pedro. Vai como político.
Certamente que essa visita serve para reafirmar o fundamento último da cultura
dos portugueses. Contudo o significado político desta opção vai muito para além
disso. A escolha desta visita sendo o Papa quem é está longe de ser inocente. É
preciso não esquecer que Francisco é o Papa que arrasou a política económica
liberal em vigor no mundo. Que ousou, em nome da doutrina social da Igreja,
dizer que essa política mata e que fere o mandamento divino não matarás! Um Papa que incomoda a
direita que – mesmo quando bate com a mão no peito – não se reconhece, a não
ser por hipocrisia, no estilo, nas palavras e nas opções de Francisco. Mais uma
vez, uma demarcação clara das opções governativas da anterior maioria. Estes
sinais indicam uma nova orientação na Presidência. Com MRS Portugal parece
estar à procura de um novo equilíbrio e de uma renovação do pacto social,
para que nele todos se sintam incluídos. Para uns será pouco. Para outros será
excessivo. Mas se MRS conseguir o que pretende não será nada mau.
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