Tintoretto - Caim e Abel (1550 - 53)
Sobre os acontecimentos de hoje em Bruxelas. Há uma coisa que, para
muitos ocidentais, é difícil de compreender. A História – isto é, a História
política da humanidade – não é um passeio no Jardim do Éden. Se a imagem da
paraíso serve, neste caso, para alguma coisa é para lembrar que os homens foram
expulsos do paraíso e que a porta deste foi fechada para que lá não voltássemos.
Nós vivemos, para continuar com a imagética bíblica, na terra onde Caim matou
Abel. E a História não é outra coisa senão a repetição infinita do assassinato
de Abel. Esta é a realidade do mundo em que vivemos. Não é de hoje nem de
ontem. Aquilo que se passou em Bruxelas não foi outra coisa.
É inaceitável torcer a realidade e ver na pulsão assassina que matou
em Bruxelas uma espécie de mão vingadora das malevolências que os ocidentais perpetram
pelo mundo fora. Não foi um acto de quem busca a justiça. Foi um crime. Os
ocidentais são inocentes? Não, não são. Nisso, porém, são iguais a todos os
outros, coisa que muitos ocidentais, vá lá saber-se porquê, acham que não, que
o mal está sempre e apenas do nosso lado. Por vontade de poder, interesse económico, ideologia ou crença
religiosa, os ocidentais têm matado, tal como todos os outros. Os crimes praticados
por ocidentais, porém, não são um álibi, nem uma justificação ou uma
legitimação dos crimes de hoje. Isso seria supor que haveria uma parte da
humanidade pura e imaculada e outra, a nossa, absolutamente viciosa. Também os
crimes praticados anteriormente por outros não são nem álibi, nem justificação
ou uma legitimação para os nossos. A verdade é que pertencemos todos à mesma
espécie, partilhamos o mesmo ADN, e cada um de nós é, potencialmente, um Abel e um Caim.
Portanto, um crime é um crime. Não há crimes bons e outros maus. São
todos uma expressão do mal. E a História – a História política da humanidade –
não é outra coisa senão a manifestação desse mal, a manifestação da pulsão
homicida que nos habita e que, a mais das vezes, se sobrepõe e aniquila a inclinação
para o amor, para a amizade e para o entendimento. Uma das coisas que a nossa
época ainda iluminista, na sua recusa de entendimento dos textos fundadores da
nossa cultura, não entende é que, no grande palco da História Universal, não há
inocentes. O livro do Génesis diz-nos isso através do mito da expulsão do
paraíso. Mas o preconceito racionalista não é capaz de escutar os antigos mitos.
Ésquilo e Sófocles também ensinam isso. Mas quem quer escutar os velhos
trágicos gregos? E, agora, o que vai acontecer? Não se sabe já? Vai acontecer
o que sempre tem acontecido, o crime desencadeia novos crimes. A História, essa
deusa vindicativa, não acabou, como alguns pensaram. Está bem viva e, como
sempre, sedenta de sangue, o seu alimento preferido.
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