Esteban Vicente, Goyescas, 1983
As ondas resfolegavam na fímbria da areia, batidas por uma brisa imperceptível.
Alguns barcos dilaceravam, com estudada lentidão, as águas, enquanto outros,
fundeados perto da costa, baloiçavam com suavidade. O sol, toldado pela
neblina, insistia em brilhar e as gaivotas desenhavam no céu, com a precisão de
anjos, símbolos impossíveis de compreender. Vinda da estrada, uma rapariga,
saída ainda há pouco da adolescência, caminhava rente à passadeira, ensimesmada.
Olhava a areia negra ou, com uma mão a proteger os olhos, perscrutava a linha desenhada
pela vacilante fusão de céu e mar. Os seus passos eram hesitantes. Por vezes,
parava, revolvia a areia com a ponta da sombrinha. Depois, olhava o horizonte e
seguia. A certa altura, porém, decidiu sentar-se. O vestido branco, daqueles que
se usavam nos inícios do século XX, cobria-a, deixando apenas de fora os pés
nus, que cruzou. Na cabeça, um velho chapéu de palha, de aba larga, adornado
com uma fita rosa, já descolorida. A água cintilava e ela olhava-a, enquanto
abria a sombrinha. Apoiou a haste no ombro e com a mão fê-la rodar, com
precisão monótona. Depois, sorriu e fixou o olhar num cruzeiro que se
aproximava do porto. Os seus olhos não mais se despegaram dele, como se estivesse
à espera que o tempo cavalgasse os dias e ela, já senhora de si, pudesse entrar
naquele grande barco que haveria de a levar ao lugar, ela sabia-o bem, que a
aguardava.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.