David Lynch, A Bug Dreams of Heaven, 1992
Seria um náufrago perdido em terra ou um centurião antigo extraviado
no tempo? Seria um pastor abandonado nos córregos da serra ou um anjo desvairado
nos sulcos de um hossana? O céu encrepusculara-se e o dia inclinava a cerviz
para a noite com passos titubeantes. As nuvens coavam a luz, que tocava ao de
leve os juncos trémulos a verdejarem em tons de sépia, mergulhados na
intimidade das águas. Um renque de ciprestes elevava-se da terra e enegrecia ao
sabor do nascimento das trevas. A figura, quem quer seja, parou e olhou
longamente o cruzeiro, tão esquálido, feito de pedra escorregadia e húmida,
branca como a cal que escora as paredes das casas pobres do sul. O homem, assim
parecia, hesitava. Talvez não conhecesse o símbolo ou vacilasse na fé que o
haveria de mover. Inclinou a cabeça, enquanto a noite ilegível continuava a sua
caminhada, tornando a luz exígua e a alma temerosa. As sílabas desprenderam-se
então da boca e caíam sobre a terra em borbotões, formando palavras, frases,
uma oração nascida nas cordas tensas do coração. Ajoelhou-se, inclinou a cabeça
sobre o peito. Era apenas um esboço de sombra na paisagem que se vestia com o
veludo vagaroso da escuridão, e cobria com a carícia do silêncio o fervor que
se soltara sobre as espáduas da terra.
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