Comecei há pouco a ler a biografia de Salazar da autoria do
embaixador Franco Nogueira, a qual data dos anos setenta do século passado. São
seis volumes que cobrem a vida do homem forte do Estado Novo, desde a infância
até ao fim da sua existência política. Não estamos perante o trabalho de um
historiador ou de alguém que tenha sido politicamente neutro. Pelo contrário, o
embaixador foi um dos homens fortes da ditadura e um auxiliar precioso do
presidente do Conselho. É uma visão privilegiada a partir de dentro do regime.
Um dos aspectos interessantes do primeiro volume – A Mocidade e os Princípios – é o jogo narrativo que coloca em
tensão o desenvolvimento de Salazar – os aspectos da sua vida pessoal, de
formação e de interesse pela res publica
– com a situação política do país.
O que me interessa, neste artigo, não é a figura do ditador,
nem o seu processo de formação, o qual tem aspectos que ajudam a explicar muito
do que foi a sua posterior acção governativa. Importa-me a caracterização da
situação política dos finais do século XIX e do início do XX feita por Franco
Nogueira. As rivalidades políticas do final da monarquia constitucional foram
prolongadas, com outros protagonistas, mas com o mesmo azedume, nos tempos da
primeira república. Ao rotativismo político monárquico sucedeu o rotativismo
político republicano. Ambos tiveram um fim doloroso. O primeiro acabou com o
assassinato do Rei e do Príncipe herdeiro, a que se seguiu uma agonia até ao
golpe republicano. O segundo terminou com um novo golpe e a instauração de uma
ditadura, tendo passado pelo assassinato de um Presidente.
Outro traço – tão importante como o anterior e ligado a este
– é o das finanças públicas. O défice crónico e o excesso de despesa na função
pública deixavam, continuamente, o país à beira da bancarrota e nas mãos das
potências estrangeiras. A conflitualidade exacerbada entre os partidos
impedia-os de encarem o problema e de tomarem as medidas drásticas que a
situação exigia. Se os rotativismos tiveram um mau fim, este foi dinamizado
também pelo problema do défice público, da dívida externa e da desordem das
finanças do Estado. O que a História nos ensina é que a conjugação dos dois
factores – rotativismo político com conflitualidade acentuada e pandemónio nas
contas do Estado – conduzem, mais cedo ou mais tarde, ao enfraquecimento da
ordem democrática e à instauração da ditadura. Esta lição da nossa pré-história
democrática não deveria ser esquecida, nestes tempos em que vivemos, por
ninguém, a começar pelas elites políticas democráticas.
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
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