Nos últimos tempos três assuntos têm concentrado os
interesses das redes sociais que dão atenção ao fenómeno político. O racismo, a
festa do Avante e a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento no
ensino não superior. Todos eles suscitaram uma enorme turbulência – muito para
além daquilo que esses assuntos possam pesar na vida dos portugueses. Foram
tratados com tal fervor, que se chega a ter a impressão de se estar perante
casos decisivos para o futuro da comunidade. Mais importante do que aduzir
razões para um ou outro dos lados, é tentar perceber o que se está a passar. Este
artigo foca-se no problema da ruptura do discurso entre a direita e a esquerda
sociais.
Racismo, cidadania, género, privilégio, risco, etc. são palavras
entendidas de forma diferente pelas partes em confronto. Dois exemplos. Para
uns, não ser racista significa tratar qualquer pessoa enquanto indivíduo, mas
não reconhecer que ser negro – ou cigano, etc. – seja uma categoria política.
Para outros, porém, esta concepção é ela mesmo racista, pois nega a situação
histórica em que ser negro foi condição de ser oprimido. Um segundo exemplo,
liga-se com o ensino da cidadania. Uns acham que esta deve incluir as questões
de género e da sua formação social, outros nem sequer julgam que o conceito de
género seja pertinente ou tenha significado. As partes em confronto na
sociedade não se entendem sobre o significado dos conceitos que usam. Esta
ruptura na linguagem é bastante preocupante e contém em si germes de situações
de clivagem política que poderão colocar a democracia em apuros. Porquê?
Em primeiro lugar, porque a linguagem é um veículo de
entendimento. Para nos entendermos é necessário que partilhemos significados e
um certo sentido comum da linguagem. Sem isso não há entendimento. Em segundo
lugar, porque estão a desaparecer os mecanismos de mediação (de tradução). Na
vida democrática não é novidade a existência de diferenças no uso dos conceitos
políticos. No entanto, havia mecanismos sólidos, como a comunicação social de
referência ou a universidade, que faziam interpretações aceitáveis globalmente
e proporcionavam o entendimento. Isso desapareceu levado pelo hooliganismo
das redes sociais. Nem a comunicação social nem a universidade possuem já
prestígio para fazer uma espécie de tradução aceitável dos conceitos por uma
ampla maioria. Está bem enganado quem pensar que os conflitos em torno de
palavras são jogos florais ou guerras de alecrim e manjerona. São um problema muito
perigoso para o qual não se avista solução.
As palavras são muito perigosas. Mudam de sentido quando menos se espera.
ResponderEliminarUm abraço
Não são mesmo de confiança. Por vezes, são mesmo poligâmicas. asam com vários sentidos ao mesmo tempo.
EliminarAbraço