quarta-feira, 2 de setembro de 2020

A coragem da moderação


Há dias, David Justino, antigo ministro da Educação e uma das principais figuras do PSD de Rui Rio, dizia, em entrevista ao Público, que “hoje é preciso ter coragem para se ser moderado em Portugal”. Acrescentaria, apenas, que essa coragem é necessária não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo. Na verdade, a moderação política, a busca de diálogo com os que pensam de forma diferente e a procura de entendimentos sobre a estrutura básica das nossas sociedades têm vindo a ser dinamitadas por políticos radicais, explorando o que há de mais primitivo nos seres humanos.

Por que razão a moderação política é essencial? A democracia liberal é um regime que se estrutura a partir de duas ideias que, à partida, parecem opostas, consenso e conflito. Os regimes democráticos são os únicos que não apenas permitem o conflito, como o vêem como uma riqueza para o próprio regime, para a comunidade e para os cidadãos tomados individualmente. Contudo, a conflitualidade admissível na democracia está fundada e limitada por um forte consenso sobre a estrutura básica da sociedade e a natureza do regime político. Quando esse consenso começa a ser atacado e quando o discurso político se organiza em torno da retórica que faz de uns amigos e de outros inimigos, então estamos perante um conflito que vai para lá do admissível em democracia.

Tanto à direita como à esquerda, a estratégia para substituir o regime democrático por outro passou sempre pela destruição do consenso sobre as questões básicas. O que muita gente, cativada pela retórica populista contra o sistema, não percebe é que, morto o regime democrático, o que fica é uma ditadura, a perseguição às pessoas, a violência dissimulada ou aberta, a que se adiciona, agora de forma exponencial, tudo aquilo de que se queixavam na democracia – a indiferença elitista dos políticos, a corrupção, o nepotismo, etc. 

Todos esses pecados existentes em democracia não desaparecem com o fim desta. Tornam-se muito piores, mais agressivos, pois os mecanismos de controlo ficam nas mãos do poder, a comunicação social é amordaçada e os cidadãos perdem a voz. É por tudo isto que a moderação política das partes é fundamental, para evitar destruir o regime. Por vezes, há que saber moderar aquilo que é uma aspiração justa ou uma posição razoável para que o consenso essencial à democracia não seja posto em causa. Como afirmou David Justino, é necessário ter coragem para se ser moderado, para não se pensar em ganhos imediatos que podem ajudar, no futuro, à falência da democracia e da liberdade.

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