sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Diálogos aporéticos (09) - Afaste-se

Ed van der Elsken, Tokyo, 1984

- Não se aproxime.

- Mas…

- Já lhe disse não se aproxime de mim.

- Não estou contaminado.

- Não quero saber. Afasta-se, afaste-se.

- Também não sou radioactivo.

- Antes fosse.

- Isso seria terrível, não sabe que a radioactividade é…

- Não me interessa.

- Ao menos, deixe-me passar.

- Não. Afaste-se, volte para trás.

- Para trás?

- Sim, saia por onde entrou.

- Eu quero seguir na carruagem, comprei bilhete, tenho esse direito.

- Que a sua sombra não me toque, que a sua presença não me atormente a viagem. Volte para trás. Não posso vê-lo, nem pensar que vai no mesmo comboio que eu.

- Endoideceu?

- Se der mais um passo, grito.

- Nem me conhece, qual o motivo para tanta repugnância?

- Basta aquilo que vejo. Meteu conversa comigo.

- Não meti, foi você que começou.

- Pressenti aquilo que queria.

- É dada a pressentimentos?

- Cale-se, nem o posso ver.

- Que mal lhe fiz?

- Olhe para a sua camisa. Como é possível alguém usar uma camisa dessas e querer falar comigo? Volte para trás, depressa. Afaste-se. 

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