Leopoldo Novoa, Next time the fire, 1992 |
Um grande
quintal. Há nele ainda vestígios de caminhos construídos por lajes irregulares
de calcário. Muitas delas foram arrancadas do lugar, empilhadas ao fundo junto
de uma arrecadação, como se alguém as tivesse colhido para as levar para outro
lugar, onde houvesse pés humanos para as pisar e assim se defenderem do
contacto directo com a terra. Fungos e musgo denunciam que o projecto foi
abandonado há muito. Uma armação de ferro, de onde um dia penderam duas
cadeiras de baloiço, mantém-se de pé, presa nas sapatas de cimento que se
enterram pelo chão. As pernas e a trave são uma combinação de ferrugem e de
verde escuro, restos de tinta que o tempo e a corrosão dos materiais ainda não
apagaram. Os ganchos, de onde penderam as correntes que seguravam os assentos,
continuam a esperar que alguém se recorde do seu préstimo, para que neles o
ferro ranja enquanto crianças vão e vêm, entre gritos e gargalhadas de prazer.
O que fora uma sebe é agora um renque de arbustos desalinhados, entrecortado
por espaços vazios, por onde animais selvagens entram e saem. A casa mantém o
telhado, onde crescem ervas daninhas, talvez cactos e fetos. Há telhas
partidas, mas não muitas. As paredes que um dia foram brancas amareleceram, com
pedaços de caliça a despegarem-se, à espera que o vento os derrube para se
pulverizarem ao tocarem o chão. No primeiro andar, em vez de janelas há portas
que dão para varandas exíguas feitas de pedra e rodeadas de balaústres.
Colónias de fungos fizeram lá a sua casa, tingindo-as de uma mescla de cores
sombrias, onde predomina um cinzento moderado com manchas redondas de antracite
e linhas de verde dos musgos trazidos pela humidade. Os caixilhos das janelas
do rés-do-chão perderam cor. O vermelho deu lugar ao castanho claro da madeira ressequida,
gretada, por onde passeiam formigas. Numa delas, as portadas de vidro estão
abertas. A obscuridade do abandono sai em golfadas de esquecimento para a rua,
cai sobre o quintal, toca a terra, os objectos esquecidos, os tapetes de folhas
mortas que uma brisa empurra, ouvindo-se um rumorejo suave como se fantasmas as
pisassem com cuidado para não despertar alguma memória que o sono do tempo
adormeceu.
Uma descrição notável.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
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