quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Sonhos numa noite de Verão 22

José de Almada Negreiros, sem título, 1919

O lugar do concerto era numa sala muito antiga. A assistência vestia-se de forma anacrónica e toda a gente tinha os olhos parados. Ao pisar o palco, ouvi uma grande ovação, apesar dos espectadores não mexerem braços e mãos. A posição hierática de quem ali estava recordava-me um tribunal composto por juízes severos. No momento em que o recital ia começar, reparei que a guitarra não tinha cordas. Vou disfarçar, pensei, e fiz os gestos como se o instrumento estivesse completo. Nenhum som se ouviu. Olho o público e sinto-me devorado por aqueles olhos mortos. Tento uma desculpa, mas emudecera. O silêncio era sepulcral. Aterrorizado, corro dali para fora. Ao abrir os olhos, escuto ao longe o som de uma guitarra. A manhã ia avançada. 

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