sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A coluna infame

Francisco de Goya, Esto es malo, edição de 1863

Na introdução do seu livro História da Coluna Infame, Alessandro Manzoni escreve: Parece-nos ver a natureza humana empurrada irremissivelmente para o mal por razões que escapam ao seu arbítrio, como dominada por um sonho perverso e veemente de que não se pode libertar, de que nem sequer adverte a sua existência. Embora a história da coluna infame não seja especificamente um caso de loucura política, mas da submissão de pessoas racionais - juízes - à pulsão enlouquecida das massas, que levou, no século XVII, à condenação e a uma pena brutal de pessoas que não podiam ter feito o crime de que lhes era atribuído, a propagação da peste através de uma matéria untuosa. Isso que exigiria um sofisticado laboratório que, na prática, só o século XX conseguiria produzir. Os juízes tinham perfeita consciência de que o crime não era possível, mas mesmo assim seguiram a pulsão da massa ignara e supersticiosa. É essa mesma massa que se move neste momento um pouco por todo o lado. Foi ela que elegeu Trump e Bolsonaro. É ela que se começa a mover também em Portugal, acicatada pelo oportunismo de pequenos aprendizes de feiticeiro. A apreciação de Manzoni deve alertar-nos para o perigo real, para o facto dos homens serem empurrados para o mal movidos por um sonho perverso, de que não se conseguem libertar nem terem consciência da sua existência. Não se pense que isto são histórias do passados longínquo. O século XX foi pródigo em história dessas motivadas por paixões políticas. Se os homens não acordarem e interromperem o sonho perverso em que parecem deleitar-se, também teremos a nossa coluna infame no século XXI.

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